Escrevi esse texto após a leitura de O Evangelho Maltrapilho do badalado Brennan Manning. Ricardo Gondim e Ed René Kivitz colocam esse livro como bibliografia essencial para um bom cristão. Philip Yancey cita Manning como o escritor cristão mais profundo da atualidade. De fato, é um bom livro, embora eu creia que profundo mesmo é Philip Yancey, quem ainda não leu O Jesus Que Eu Nunca Conheci deve fazê-lo imediatamente. Apesar do livro do Yancey não ser explicitamente sobre o amor e agraça de Deus, como o do Manning, falar de Jesus é o mesmo que falar de amor e graça, é como se fossem sinônimos. Depois da leitura me inspirei a escrever algo sobre o meio de salvação do cristianismo que, teoricamente, é sabido por todos nós cristãos. Acredito que a falta de compreensão do que realmente o cristianismo diz sobre salvação é a causa de muitas confusões, como o acalorado debate que tivemos aqui nesse blog entre pluralismo e exclusivismo. Na minha opinião, todo homem deve ter a oportunidade de ouvir essa mensagem, nada é mais importante do que o que segue nesse texto, não pelas minhas palavras, evidentemente, que não conseguem expressar toda a grandeza de tal assunto, mas pela importância do próprio assunto.
Nada causa mais confusão e escândalo no Cristianismo do que a doutrina da graça e ainda assim nada é mais importante do que isso. Quando falamos de vida cristã dois erros são comuns. O legalismo exacerbado ou, com o mesmo exagero, o liberalismo no outro extremo. As pessoas costumam se colocar entre um ou outro extremo. Ou não pode nada ou "libera geral'. É verdade que a lei não justifica ninguém, mas não é verdade que podemos ignorar qualquer mandamento em nome da graça. A graça salva aqueles que pecam sim, mas não salva aqueles que pecam e não estão nem ai para isso. Devemos evitar tanto o universalismo quanto o particularismo sectário e, o que é raro no meio desse povo da "graça" que adora tacar pedra na Igreja, e devemos ter cautela dobrada para não permitir que nossas perturbações emocionais e amarguras causadas por uma determinada Igreja ou religião influencie esse assunto. Me parece que alguns criticos da religião evangélicas estão mais preocupados em destruir o trabalho dos outros do que exortar em amor. Voltando ao assunto da graça, não devemos ignorar o pecado por vivemos na graça, não devemos aceitar comportamentos pecaminosos como conduta moralmente correta e saudável (vide cristãos da "graça" que apoiam e aceitam comportamentos claramente anti-biblícos). Usemos a graça para amar e abraçar aqueles que pecam, afinal, que atire a primeira pedra quem jamais pecou... Mas não podemos fazer uso da "graça" para abraçar de forma conivente aqueles que pecam e dizermos "É isso ai, continue assim, Deus te ama e o criou assim e é assim que você deve ficar". Jesus não disse apenas "vá", Ele continuou e disse: "... e não peques mais" (Jo 8). O perdão foi possível pois a mulher já tinha consciência do seu crime perante a Lei. A graça não salva aqueles que tentam se justificar na Lei, mas também não salva aqueles que se recusam a enxergar a realidade de Lei e reconhecer que a infringiram. A graça salva somente pecadores conscientes de seu pecado. Não salva qualquer um, até porque Deus não coage ninguém.
Mas esse Evangelho da graça não pode ser compreendido sem ter Cristo como seu centro. Alguns pontos que eu acredito serem de suma importância têm que ser compreendidos.
(1) O Deus do Novo Testamento continua odiando e se irando contra o pecado. Afinal, Ele é justo e, portanto, Deus se ira e odeia sim, por mais fora de moda que seja falar isso.
(2) A Lei continua ativa (Mt 5.17) , nos culpando e nos condenando ao inferno (por mais fora de moda que esteja o inferno) (Rm 3.19, Rm 6.23).
Nada dessas coisas mudaram do Antigo para o Novo Testamento, o que mudou foi a inclusão de uma peça fundamental para se compreender o Amor de Deus - Jesus, o Cristo. Ele, O Cristo, não aboliu a Lei, mas sim a cumpriu (Mt 5.17). Lembra do ódio e da ira de Deus, da culpa e da condenação? Pois é, Cristo saciou tudo isso. Todas as exigências da Justa Lei de Deus. Então todo o ódio e a ira de Deus contra o nosso pecado de ontem, hoje e amanhã; foi, é e será desviado para Cristo. E é essa a Boa-Nova. Aqueles que pecam podem ser salvos. E por isso, Deus não nos vê mais como pecadores, imperfeitos, injustos, impuros (apesar de ainda sermos até o fim de nossas vidas), agora Ele nos vê como santos em Cristo, perfeitos em Cristo, justos em Cristo, puros em Cristo. Ele vê Cristo em nós, criaturas pecadoras. Todo o ódio de Deus que justamente merecemos é desviado para o calvário e isso nos permite acesso a outra face desse Deus justo, a face do Amor. Portanto, sem Cristo continuamos perdidos, mas n'Ele cumprimos todas as exigências de Deus e aquela merecida condenação já não mais existe para quem está em Cristo (Rm 8.1). N'Ele e somente n'Ele.
Portanto, é claro como a água que sem Lei jamais compreendemos o amor de Deus. O perdão à mulher adúltera só foi possível porque ela já tinha consciência do seu crime perante a Lei do Justo Juiz, caso contrário, ela precisaria, antes, ser acusada. A realidade e impiedade da Lei jamais podem ser subenfatizadas na pregação. Spurgeon dizia que devemos pregar 90% Lei e 10% graça. Sem Lei não há a menor necessidade de Cristo. Afinal, se não há condenação, Cristo nos salvou do quê? Temos que alertar às pessoas da condenação da Lei. Diferente do que comumente é crido, o sistema de salvação cristão não é diferente do sistema de salvação de outras religiões que dizem que temos que ser bons para sermos salvos. Temos sim que ser bons para sermos salvos, a Lei mostra isso. É ai que está a grande revelação de Deus em todas as culturas e religiões. Todas elas exigem cumprimento de regras para que se alcance a salvação, até o ateu tem seu próprio código de conduta contra o qual ele "peca" frequentemente. A diferença é que o sistema de salvação cristão reconheceu que tal feito é simplesmente impossível e, por isso, Deus resolveu esse problema saciando sua própria justiça n'Ele mesmo. Toda Lei, de qualquer religião que for, revela que é impossível para o homem satisfazer todas suas exigências. Sem Cristo, todo esse papo de amor de Deus é mentira e somos os mais perdidos dos homens pois, como dizem todas as religiões, temos que ser bons para sermos salvos. Mas a perfeição da Lei nos deixa impossibilitados disso (vide Mt 5.48). Com isso em mente, quando alguém sente culpa por achar que não pode satisfazer as exigências de Deus, tal culpa é real, boa e verdadeira, não é neurose, mas sim sinal de saúde espiritual. Aliviar tal culpa dizendo simplesmente que Deus é amor e não exige nada dela é heresia, mentira e só serve para recalcar o sintoma de culpa. O que essa pessoa precisa é conhecer àquele que levou toda sua culpa e saciou todas as exigências - Cristo. N'Ele a culpa vai embora. O que Deus exige é, realmente, um fardo impossível de se carregar, pois Ele é perfeitamente justo. Mas Ele próprio descobriu um meio de solucionar esse dilema. Em Cristo sim, o fardo se torna leve!
Somente com a consciência viva da nossa injustiça, da nossa culpa perante Deus, e da nossa condenação é que podemos seguir ao segundo passo, conhecer o caminho de Cristo que saciou tudo aquilo que era exigido de nós. N'Ele sim, nós pecadores justamente condenados, somos santos justamente salvos. Cristo é nossa justiça. N'Ele, cujo fardo é leve, podemos embarcar na verdadeira jornada de crescimento moral e espiritual que durará até o fim de nossas vidas. Como disse C.S.Lewis, nós caimos num buraco e somente alguém fora do buraco pode nos salvar - só o Deus-Homem, Jesus Cristo. Para aqueles que acham que ser salvo pelos méritos de outrem é injusto cabe a tarefa de desenvolver um meio mais apropriado e, boa sorte na tentativa. Eu prefiro confiar em Cristo, já para aqueles que são fortes o suficiente poderão escolher pagar por si mesmos o preço do seu pecado sem a necessidade de recorrer à Cristo, é isso mesmo. Pregando no Leadership Summit de 2006, Bill Hybels disse que quando chegarmos no céu será feita apenas uma pergunta para nós:
Quem pagará pelo seu pecado?
Aqueles que aceitaram a Cristo em vida poderão responder que não conseguiram, mas que Cristo pagou por eles. Já para aqueles que não aceitaram, se recusaram a se submeter ao senhorio de Cristo e resolveram pagar pelos próprios pecados, à estes foi destinado um lugar especial em que poderão pagar por todos os seus pecados, cada um deles, por si mesmo e sem Cristo. A minha escolha já foi feita.
N'Ele em quem toda justiça foi satisfeita
Vitor Grando
Vitor Grando
Mudando de assunto, para quem se interessar em Filosofia da Religião:
ResponderExcluirhttp://despertaibereanos.blogspot.com/2008/10/sorteio-do-livro-god-freedom-evil-alvin.html
Olá, Vítor.
ResponderExcluirBoas palavras!
Engraçado, não tinha prestado a devida atenção ao fato de que a Lei é necessária à salvação e anterior a Cristo.
Com essa pista, acho que lerei Romanos com outros olhos.
Um abraço.
Raquel
Grande texto !!
ResponderExcluirAcho engraçada essa forma poética e prática de expressar certo dogma: quando chegarmos no céu a única pergunta que teremos que responder será....
ResponderExcluirAchei o texto realmente bom! A lei de Deus dada a Moisés é super importante. Assim como Paulo é super interessante não podemos podar os dois da Bíblia.
Discordo porém que a lei é pré requisito para a pregação do Evangelho. O chamado para o arrependimento pode ser feito, assim como Paulo fez em Atenas. Com base na própria consciência da pessoa.
A necessidade de salvação pode ser despertada também devido à força das circunstâncias de um mundo em queda (doença, crise financeira, conflitos em relacionamentos e etc) não necessariamente por um sentimento de culpa. Embora que obviamente o cerne da salvação se encontra na remissão dos pecados.
Essa é minha contribuição,
bom texto Vítor,
Um graaaande abraço,
Roger
Discordo porém que a lei é pré requisito para a pregação do Evangelho. O chamado para o arrependimento pode ser feito, assim como Paulo fez em Atenas. Com base na própria consciência da pessoa.
ResponderExcluirRoger, talvez eu tenha me expressado mal, mas foi isso que eu quis dizer.
Não me refiro à Lei apenas como a Lei Mosaica. Mas toda Lei encontrada em qualquer religião ou ideologia secular, até o ateu está constantemente devendo para o seu código moral, Paulo com outras palavras afirmou isso, e é aí que entra a maravilhosa mensagem da graça. O Judeu está devendo para a sua Lei. O Muçulmano também deve. O Ateu deve. O Cristão deve. Aí Cristo diz "Venham até mim, eu pago".
"Todos vocês católicos, evangelicos, muçulmanos, judeus, ateus, todos vocês que estão devendo, venham até mim, eu pago!"
Quem se interessar pelo assunto, eu recomendo esse vídeo (em inglês):
ResponderExcluirhttp://despertaibereanos.blogspot.com/2008/03/way-of-master-ray-confort.html
"Quem pagará?"
ResponderExcluirE aí entra uma confusão dos diabos sobre o destino dos que não chegaram a ouvir de Jesus. Pra mim, a chave é a resposta que o cara der. Se ele disser: "ô chapa, eu não, porque não tenho cacife pra tanto, apesar de ter tentado fazer o bem..." acho que ele tá salvo. Agora, o neguinho que chegar mostrando curriculum, ah, esse se ferrou!
E aí, não importa se vc é isso ou aquilo...
Deu pra entender?