Sobre essa matéria o filósofo Antony Flew, que tornou-se conhecido como ateísta, trouxe-nos uma análise por demais profunda e séria, após sua metanóia.
Outro assunto sobre o qual mudei de idéia foi o do livre-arbítrio, da liberdade humana. Ele é importante porque a questão sobre se somos livres reside no centro de todas as religiões principais. Em meus primeiros escritos antiteológicos, chamei a atenção para a incongruência do mal que existe no universo criado por um Ser onipotente e de perfeita bondade. A explicação dos teístas para essa evidente incongruência foi que Deus dá o livre-arbítrio aos humanos, e que todos os males, ou a maioria deles, são devidos ao mau uso que fazemos dessa dádiva perigosa, mas que o resultado final será uma soma de benefícios maiores, o que de outra forma não seria possível. Fui o primeiro a rotular isso de defesa do livre-arbítrio.
Mas seja exposta como um debate entre livre-arbítrio e predestinação, ou, em adaptação secular, livre-arbítrio e determinismo, a questão sobre se temos livre-arbítrio é de fundamental importância. Respondi, tentando tratar do assunto das duas maneiras, introduzindo uma posição que agora é conhecida como compatibilismo. Os incompatibilistas dizem que o total determinismo é incompatível com o livre-arbítrio. Os compatíbilistas, por outro lado, sustentam que tanto é válido dizer que uma pessoa fará uma escolha, e que o significado dessa futura escolha é conhecido de antemão por uma futura parte interessada, como também que livres escolhas podem ser tanto livres como escolhas, mesmo quando são causadas fisicamente, ou quando o fato de serem feitas foi determinado por alguma lei da natureza.
Ainda sustentando que as pessoas fazem livres escolhas, nos últimos anos cheguei a admitir que não podemos, ao mesmo tempo, acreditar que essas livres escolhas são causadas fisicamente. Em outras palavras, o compatibilismo não funciona. […]
Somos agentes, temos uma escolha e somos capazes de fazer algo além daquilo que realmente fazemos. Quando fazemos uma fundamental distinção entre movimentos e impulsos, tornamo-nos capazes de explicar o igualmente fundamental conceito de ação. Um movimento pode ser iniciado ou cancelado ao comando da vontade, um impulso não pode. O poder do movimento é um atributo de pessoas, enquanto entidades incapazes de consciência ou intenção só podem manifestar-se através de impulso. Agentes são criaturas que, precisamente por serem agentes, não podem deixar de fazer escolhas: escolhas entre os cursos alternativos de ação ou inação que de vez em quando se abrem para eles, escolhas reais entre possibilidades alternativas genuínas. Agentes, em seu papel de agentes, nada podem fazer a não ser escolher uma de duas ou de muitas opções que em certas ocasiões estão disponíveis para eles.
O importante, na distinção entre os movimentos envolvidos em uma ação e os impulsos que constituem um comportamento obrigatório, é que esse comportamento é fisicamente obrigatório, enquanto o sentido, a direção e o caráter de ações, por uma questão de lógica, necessariamente não podem ser fisicamente obrigatórios — e na verdade não são. Desse modo, torna-se impossível sustentar a doutrina do universal determinismo fisicamente obrigatório, a doutrina que diz que todos os movimentos do universo, até mesmo o movimento corporal humano, assim como os impulsos, são determinados por causas físicas fisicamente obrigatórias.
À luz de minha deserção do total compatibilismo, muito do material que publiquei sobre o livre-arbítrio, ou livre escolha, tanto em contextos religiosos como seculares, requer revisão e correção. Sendo que o assunto aqui se refere à segunda das três questões que Kant rotulou de as mais importantes da filosofia — Deus, liberdade e imortalidade —, devo dizer que minha mudança sobre essa questão é tão radical quanto minha mudança a respeito da questão de Deus. […]
Quanto ao argumento do desígnio, observei que todas as entidades do universo, mesmo as mais complexas, os seres humanos, são produtos de forças mecânicas e físicas inconscientes.
Nesse debate [com William Lane Craig, em 1998], reafirmei minha opinião de que um Deus onipotente podia fazer seres humanos de uma tal forma que eles livremente escolheriam obedecê-lo. Isso significa que a tradicional defesa do livre-arbítrio não pode negar que Deus predestina todas as coisas até as livres escolhas. Sempre senti repulsa pela doutrina da predestinação, que sustenta que Deus predestina a maioria dos seres humanos à condenação. Assuntos importantes desse debate foram a rejeição de Craig às tradicionais idéias de predestinação e sua defesa do livre-arbítrio. Craig sustentava que Deus age diretamente sobre efeitos, não sobre causas secundárias, e que desse modo é impossível, para Ele, criar um mundo de criaturas genuinamente capazes de livre escolha e que só fazem o que é certo. Citou passagens da Bíblia que enfatizam que Deus deseja que "todas as pessoas sejam salvas" — por exemplo, II Pedro 3:9. Muito recentemente, descobri que John Wesley, que considero um dos grandes filhos de meu país, liderara uma acirrada discussão contra a predestinação e a favor da alternativa arminianista, particularmente em seu principal artigo "Predestination Calmly Discussed". Também compreendo que muitos intérpretes bíblicos de hoje vêem os escritos de São Paulo sobre a predestinação como se referindo ao papel de indivíduos específicos nas obras da igreja e não a sua salvação ou condenação.
extraído de "Um ateu garante: Deus existe - as provas incontestáveis de um filósofo que não acreditava em nada" Antony Flew com Roy Abraham Varghese
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