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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Somos agentes, temos uma escolha

antony-flew-1-sized[1] Sobre essa matéria o filósofo Antony Flew, que tornou-se conhecido como ateísta, trouxe-nos uma análise por demais profunda e séria, após sua metanóia.

Outro assunto sobre o qual mudei de idéia foi o do livre-arbítrio, da liberdade humana. Ele é importante porque a questão sobre se somos livres reside no centro de todas as religiões principais. Em meus primeiros es­critos antiteológicos, chamei a atenção para a incongruên­cia do mal que existe no universo criado por um Ser oni­potente e de perfeita bondade. A explicação dos teístas para essa evidente incongruência foi que Deus dá o livre-arbítrio aos humanos, e que todos os males, ou a maioria deles, são devidos ao mau uso que fazemos dessa dádiva perigosa, mas que o resultado final será uma soma de be­nefícios maiores, o que de outra forma não seria possível. Fui o primeiro a rotular isso de defesa do livre-arbítrio.

Mas seja exposta como um debate entre livre-arbítrio e predestinação, ou, em adaptação secular, livre-arbítrio e determinismo, a questão sobre se temos livre-arbítrio é de fundamental importância. Respondi, tentando tra­tar do assunto das duas maneiras, introduzindo uma posição que agora é conhecida como compatibilismo. Os incompatibilistas dizem que o total determinismo é in­compatível com o livre-arbítrio. Os compatíbilistas, por outro lado, sustentam que tanto é válido dizer que uma pessoa fará uma escolha, e que o significado dessa futura escolha é conhecido de antemão por uma futura parte interessada, como também que livres escolhas podem ser tanto livres como escolhas, mesmo quando são causadas fisicamente, ou quando o fato de serem feitas foi deter­minado por alguma lei da natureza.

Ainda sustentando que as pessoas fazem livres esco­lhas, nos últimos anos cheguei a admitir que não pode­mos, ao mesmo tempo, acreditar que essas livres esco­lhas são causadas fisicamente. Em outras palavras, o compatibilismo não funciona. […]

Somos agentes, temos uma escolha e somos capa­zes de fazer algo além daquilo que realmente fazemos. Quando fazemos uma fundamental distinção entre movi­mentos e impulsos, tornamo-nos capazes de explicar o igualmente fundamental conceito de ação. Um movimen­to pode ser iniciado ou cancelado ao comando da vonta­de, um impulso não pode. O poder do movimento é um atributo de pessoas, enquanto entidades incapazes de consciência ou intenção só podem manifestar-se através de impulso. Agentes são criaturas que, precisamente por serem agentes, não podem deixar de fazer escolhas: es­colhas entre os cursos alternativos de ação ou inação que de vez em quando se abrem para eles, escolhas reais en­tre possibilidades alternativas genuínas. Agentes, em seu papel de agentes, nada podem fazer a não ser escolher uma de duas ou de muitas opções que em certas ocasiões estão disponíveis para eles.

O importante, na distinção entre os movimentos en­volvidos em uma ação e os impulsos que constituem um comportamento obrigatório, é que esse comportamento é fisicamente obrigatório, enquanto o sentido, a direção e o caráter de ações, por uma questão de lógica, necessaria­mente não podem ser fisicamente obrigatórios — e na verdade não são. Desse modo, torna-se impossível sus­tentar a doutrina do universal determinismo fisicamente obrigatório, a doutrina que diz que todos os movimentos do universo, até mesmo o movimento corporal humano, assim como os impulsos, são determinados por causas físicas fisicamente obrigatórias.

À luz de minha deserção do total compatibilismo, muito do material que publiquei sobre o livre-arbítrio, ou livre escolha, tanto em contextos religiosos como se­culares, requer revisão e correção. Sendo que o assunto aqui se refere à segunda das três questões que Kant rotu­lou de as mais importantes da filosofia — Deus, liberda­de e imortalidade —, devo dizer que minha mudança sobre essa questão é tão radical quanto minha mudança a respeito da questão de Deus. […]

Quanto ao argumento do desígnio, observei que todas as entidades do universo, mesmo as mais complexas, os seres humanos, são produtos de forças mecânicas e físi­cas inconscientes.

Nesse debate [com William Lane Craig, em 1998], reafirmei minha opinião de que um Deus onipotente podia fazer seres humanos de uma tal forma que eles livremente escolheriam obedecê-lo. Isso significa que a tradicional defesa do livre-arbítrio não pode negar que Deus predestina todas as coisas até as livres escolhas. Sempre senti repulsa pela doutrina da predes­tinação, que sustenta que Deus predestina a maioria dos seres humanos à condenação. Assuntos importantes desse debate foram a rejeição de Craig às tradicionais idéias de predestinação e sua defesa do livre-arbítrio. Craig sus­tentava que Deus age diretamente sobre efeitos, não so­bre causas secundárias, e que desse modo é impossível, para Ele, criar um mundo de criaturas genuinamente ca­pazes de livre escolha e que só fazem o que é certo. Citou passagens da Bíblia que enfatizam que Deus deseja que "todas as pessoas sejam salvas" — por exemplo, II Pedro 3:9. Muito recentemente, descobri que John Wesley, que considero um dos grandes filhos de meu país, liderara uma acirrada discussão contra a predestinação e a favor da alternativa arminianista, particularmente em seu prin­cipal artigo "Predestination Calmly Discussed". Também compreendo que muitos intérpretes bíblicos de hoje vêem os escritos de São Paulo sobre a predestinação como se referindo ao papel de indivíduos específicos nas obras da igreja e não a sua salvação ou condenação.

extraído de "Um ateu garante: Deus existe - as provas incontestáveis de um filósofo que não acre­ditava em nada" Antony Flew com Roy Abraham Varghese

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