A Bíblia pode até ser (ou conter) a palavra de Deus, mas ela mesma não é Deus. Isso implica que nossa fé não é baseada num livro, mas numa pessoa: a trindade. Brabo ponderou brilhantemente isso no debate de lançamento de seu livro (Veja no vídeo ao lado - pouco antes do 4°minuto).
Esse binômio Livro-Pessoa, que por Jesus foi colocado em um patamar mais profundo de Letra-Espírito, faz toda a diferença nas discussões que se tem hoje sobre as questões de fé e crença.
O apego à letra (ou ao livro), que não deixará de ser uma idolatria, tem como principal motivação de nossa parte, o desejo de dominar um conhecimento, uma técnica, um Know How. Em termos seculares não passará de vaidade e intelectualismo. Em termos religiosos isso é chamado de gnosticismo.
O Grande problema de se deixar levar por essa vaidade do saber é que ela, fatalmente irá nos jogar em um sistema binário onde só existirá a verdade e a não verdade, o sim e o não, o 0 e o 1. Permita-me exemplificar:
Se de alguma forma chego à conclusão de que a verdade está em que não existe hoje mais manifestações dos dons do Espírito, logo a mentira estará do lado daqueles que crêem que ainda há tais manifestações. Assim, sempre que eu me envolver numa conversa sobre esse assunto estarei fadado a querer classificar as pessoas em no grupo da verdade ou no da mentira. E todos nós, na verdade, sabemos que esse assunto é muito mais complexo e flexível do que isso.
Mas caso eu ou você não estejamos apegados ao "Know How", ainda que você mantenha suas convicções, pouco te importará classificar as pessoas em relação a essas convicções. Você está seguro do que crê e aberto ao diálogo, pronto a conhecer e ouvir experiências diferentes, sua ênfase estará voltada para a pessoa e não para "o livro" ou para o conhecimento.
Ao contrário disso, os tarados pela letra terão aquela coisa chata que querer colar uma etiqueta, um rótulo: é preto ou branco, não existe cinza, amarelo e etc. Eles não desejarão o diálogo, e se enlouquecem com a diversidade.
Isso se torna particularmente desagradável no meio cristão. Existe uma corrente que se autodenomina conservadora e expressa a seguinte crença: Deus fala através da Bíblia, a Bíblia pode ser racionalmente entendida, os reformadores entenderam a Bíblia, assim tudo que foge desse entendimento leva à perdição ou é de valor questionável. (Francis Schaeffer principalmente em sua trilogia expressa essa idéia).
Isso não significa obviamente que a Bíblia ou a razão não tenham nenhum papel na fé cristã. Sem dúvidas são peças fundamentais. O que todavia não se pode fazer é querer colocá-los acima do próprio Espírito na Igreja, ou seja, a cima das pessoas. A diferença entre um livro e uma pessoa é simples: a vida. Com isso também não estou questionando o poder das escrituras e sua "vida", que a faz diferente de outros livros. Mas temos que convir que por outro lado a Bíblia não passa de um monte de papel grafado com tinta, que nós jogaremos fora quando começar a cair aos pedaços.
Assim, eu creio em um subjetivismo saudável na interpretação das Sagradas Escrituras. De certa forma esse foi o grande legado de Schleiermacher, mostrar para uma sociedade moderna e racionalista, que a visão de mundo e sentimentos muitas vezes entram na interpretação da Bíblia ao lado de nossas faculdades racionais.
Assim, você não encontrará no Credo apostólico algo como "creio na Bíblia" ou "creio nas escrituras". Assim também você não encontrará no credo creio "na" igreja católica (ou universal), mas creio no Espírito Santo na (dentro da) igreja católica. E isso não é só uma nuance gramatical. Nossa fé não deve também estar numa instituição, mas somente em Deus.
É claro que o Espírito Santo atua também desassociado da Igreja, mas é na igreja, nas pessoas que verdadeiramente receberam Jesus (independente se estes estão ligados a um grupo religioso ou não), que Ele está em casa. É no contato com esse Espírito e no conviver com essas pessoas, que nossa fé se forma, encontra base e torna-se robusta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu pitaco.