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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Des-propósitos para 2011: fazer ou ser

Confesso: já fiz minhas listas para o ano novo e, de certa forma, ainda me alimento delas, porque incompletas e vencidas, ainda que inconscientemente. A grande maioria delas foram encabeçadas por um versículo bíblico – geralmente adquirido em um sorteio de fim ano na igreja. Mas aboli esta prática, seu poder mágico esgotou-se para mim.

Com meus pais aprendi que o fazer vem depois do ser. Com eles também aprendi que o ser é um presente de Deus que deve ser buscado primeiro no vazio, na inatividade, na solidão, no silêncio, no próprio Deus, para depois deixar-se encarnar, preencher, realizar-se, congregar e sonorizar-se.

Algo assim é o que a Bíblia nos revela quando aponta que “no princípio era o Verbo” e que antes de Tudo existir e acontecer, era Deus. Ou seja, Ele não fazia, não tinha, ele, no princípio, somente era.

O fazer não muda em nada a essência do ser, somente a reflete, a torna patente.

Esse pensamento vem na contra-mão de tudo que se observa e experimentamos hoje, em todas as áreas, inclusive (para não dizer principalmente) na religiosa. Onde há uma obsessão por fazer (e ter).

Um ex-dependente de igreja* denunciou essa ideia, de forma ultra constrangedora:

É a obsessão que faz com que você sinta estar perdendo tempo trancado no escritório, quando poderia estar lagarteando na praia; faz com que se sinta culpado por estar lagarteando na praia, quando há tanta coisa para fazer em casa; faz você sentir que está perdendo tempo fazendo o serviço da casa, quando há aquele bom livro para ler; faz você sentir-se mal por estar lendo o livro, quando poderia estar aproveitando a companhia dos filhos; faz você sentir-se mal por estar gastando tempo com os filhos, quando tem a monografia para terminar; faz você sentir-se mal por ver-se obrigado a escrever a monografia, quando poderia estar vivendo!

Ou colocado novamente por ele em termos mais agressivos:

Você já fez um cruzeiro pelo Caribe? Confere. Fez pós-graduação e mestrado? Confere. Já teve uma árvore e plantou um filho? Confere. Foi a um show de Antony and the Johnsons/Zeca Pagodinho/André Rieu/Lagoinha? Confere. Já passou o final de ano no Club Mediterranée? Quê? Não? Você ainda não viveu, cara – e não vai aparentemente chegar a viver, a não ser que tenha o rosário de lembranças corretas para ostentar.

Por isso quando me indagam, metas para 2011? Só tenho uma resposta: viver sem metas, ou seja, viver, só isso.

*Paulo Brabo em “Em 6 passos o que faria Jesus”

4 comentários:

  1. Que o despropósito que você propõe - ser - encabece nossas listas e as redima.

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  2. Enquanto o "fazer" for uma demanda de nosso mundinho, ele se multiplicará em milhares de obrigações. Corremos o risco de perder nossa identidade (ser), de renascidos para "(re)fazer".

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  3. Roger, estou preocupado com você. Desse jeito, você acabará sendo um dos nossos.

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