…pesando 400 anos e com treinadores peso-pesado como Martinho Lutero e Calvino, está o calvinismo, sistema teológico característico das igrejas de tradição reformada. Os títulos já dizem tudo sobre a sua origem histórica: o calvinismo ostenta ser extensão fiel da postura teológica geral da reforma protestante do século XVI – refletindo em especial o pensamento de João Calvino e de seus discípulos imediatos.
No que interessa para a nossa discussão é preciso dizer que o calvinismo enfatiza tanto a tremenda soberania de Deus (Deus faz o que quer) quanto a tremenda incompetência do homem (o homem é incapaz de fazer por si mesmo qualquer coisa de bom).
O calvinista crê encontrar na Bíblia que Deus é soberano, e entende com isso que o livre-arbítrio humano é coisa que não existe. O homem, atolado até o pescoço na fossa do pecado, não tem qualquer inclinação, capacidade ou independência moral para desejar a Deus, quanto menos o cacife para escolher tomar o lado divino a fim de encontrar a salvação. Os que são salvos são salvos por iniciativa inconcidional de Deus tomada na eternidade antes do tempo começar a se desenrolar – ou seja, não com base em qualquer mérito, disposição em mudar ou manifestação de fé do indivíduo favorecido.
A morte sacrificial de Cristo não beneficia toda a humanidade, mas apenas essa porcentagem de eleitos que Deus escolheu em sua misericórdia e sem precisar dar explicações a ninguém. Essa graça concedida em favor dos eleitos é “irresistível” – isto é, do mesmo modo que não fez nada para merecê-la, o predestinado não tem liberdade para rejeitá-la e vai acabar cedendo a ela na hora certa, e para sempre. Os outros, predestinados à destruição, não tem por um lado espaço de manobra para mudarem o seu próprio destino, por outro direito a reclamarem dele.
Não é sem fundamento bíblico que o calvinismo deita essas propostas aparentemente paralisantes e deterministas. O apóstolo Paulo, em particular, parece fornecer ampla credencial para cada um dos pontos defendidos pelos calvinistas. Para citar uns poucos exemplos:
Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos; e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou (Romanos 8:29-30).
…que nos salvou, e chamou com uma santa vocação, não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e a graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos (2 Timóteo 1:9).
Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de misericórdia (Romanos 9:16).
O CALVINISMO ENFATIZA A SOBERANIA DE DEUS E A INCOMPETÊNCIA DO HOMEM.
O conceito de predestinação parece também ter feito parte integrante do discurso do próprio Jesus e de outras tradições apostólicas:
Se o Senhor não abreviasse aqueles dias, ninguém se salvaria; mas ele, por causa dos eleitos que escolheu, abreviou aqueles dias (Marcos 13:20).
Os gentios, ouvindo isto, alegravam-se e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna (Atos 13:48).
Ancorado nessa qualidade de testemunhos o calvinismo sustenta que a soberania divina deve ser entendida em termos de um controle firme de Deus sobre as rédeas da história. A liberdade de escolha de que o homem crê desfrutar é ilusória, visto que o desenrolar do enredo, em especial no que diz respeito a baixas e resgates individuais, já foi definido por Deus antes das câmeras começarem a rodar.
As particularidades do sistema calvinista refletem com exatidão as condições ideológicas do mundo em que nasceu. A reforma protestante levantou-se em grande parte como reação aos abusos teológicos, sociais e políticos da igreja católica do seu tempo. Os reformadores mostravam particular indignação para com a obsessão circular da igreja católica com as “boas obras”, obras alegadamente meritórias e/ou sacrificiais através dos quais o adorador podia garantir – e muitas vezes comprar – a sua salvação. Os reformadores criam, e com acerto, que o Deus da Bíblia não admite barganhas; ele exige performance mas não aceita subornos e não reconhece méritos, promovendo a reconciliação exclusivamente através de sua própria postura cavalheiresca, a que os autores do Novo Testamento dão o nome de graça.
O calvinismo é o resultado de se levar a idéia de predestinação às suas últimas conseqüências lógicas. Se Deus predestinou, a graça é irresistível. Se Deus predestinou, não foi para todos que Jesus morreu. Se Deus predestinou, a liberdade humana é uma ilusão e uma farsa. Se Deus predestinou, ele conhece o futuro por inteiro e a história está pronta – apenas não terminou de ser filmada.
[…]
Os calvinistas rebatem com o que creem ser as inadmissíveis conseqüências teológicas do teísmo aberto. O Deus do teísmo aberto é, reclamam eles: [1] menos do que onisciente, porque não conhece o futuro, [2] menos do que onipotente, porque não será capaz de impor a sua vontade se estiver restringido pela liberdade humana, [3] menos do que absoluto e eterno, por estar sujeito ao avanço linear do tempo no próprio universo que criou e [4] menos do que onipresente, porque o futuro não é uma realidade presente para ele.
Excelente texto do Brabo, muito didático.
ResponderExcluirNisso o Calvino "deitava e rolava", seus seguidores não tinham bíblia!
...não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de misericórdia (Romanos 9:16).
...o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele. (Mt 11:12).
Roger, há uma "montanha" de textos bíblico opostos. Não faz sentido!!!
A verdade não poderia existir em coisas que divergem, mesmo quando tivessem elas por si a aprovação dos maus”.
(Obras de São Jerônimo, edição dos Beneditinos, 1693, t. It. Col. 1425).
"Ser" calvinista ou "ser" teísta é muito cômodo: abraça-se uma posição e joga-se no lixo as opiniões contrárias.
ResponderExcluirEsta nesse fogo cruzado, cheio de dúvidas, de incertezas e manter a fé...
Eis um desafio tremendo!