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sexta-feira, 17 de junho de 2011

O homem é fruto do ocaso

Quando a Teologia da Libertação afirma que "Jesus era tão humano que só poderia ser Deus", ela está sorrateiramente elevando a bondade divina sobre seu poder sobrenatural. Para alguns uma visão por demais humanista.

A questão humanista, de deixar Deus ser bom, contraposta ao "deixar Deus ser Deus", implica na supremacia do poder frente a bondade divinas. Estamos por demais acostumados a definir Deus como o Todo Poderoso. Deus é o cara que pode tudo e ponto final. Esquecemos, ou nunca aprendemos, quem, de fato, é Deus. Exemplifico:  Será que o efeito seria o mesmo se o debate de Erasmo e Lutero fosse expresso em: "Deixe Deus ser poderoso!" versus "Não, deixe Deus ser Deus!"?

A verdade é que a idéia de um "El Shadai", Todo Poderoso, está mais arraigada em nossos neurônios, do que a de um "Abba", Pai Bondoso. Somos sempre bons o suficiente, mas terrivelmente impotentes. As pessoas têm cede sede de poder, mas não querem mais bondade.

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Tornar o homem em uma criatura bondosa não é, e nunca foi, tarefa fácil. A começar do começo, de sua gênesis.

Para Deus revelar-se bondoso Ele se viu frente a um terrível dilema: sem mal, nenhum bem; sem conhecimento do bem e do mal, nenhuma ética; sem ética o homem permaneceria amoral e portanto desigual a Deus: uma eterna criança imatura.

O conhecimento do bem e do mal só se efetiva de forma conjunta: o bem de mãos dadas com o mal. Os antigos sabiam bem disso. Daí o valor mítico do Éden: Era uma vez Deus, um homem, uma mulher, um jardim, duas árvores, um fruto proibido e uma cobra. Cenário perfeito para uma queda, ou, para um aprendizado.

Poderia haver luz sem trevas? Poderia Adão conhecer o bem sem provar o mal? O Éden mostra que Deus, Pai amoroso, não poderia jamais oferecer nem recomendar o fruto - por isso mesmo - proibido, mas nunca também poderia negá-lo ao homem. Havia uma pedra no caminho; e a pedra haveria de permanecer lá, acessível.

O homem precisava conhecer o bem. A sabedoria popular nos ensina: só valorizamos algo ou alguém quando o perdemos. Desconhecedores de qualquer ética, o primeiro casal não poderia avaliar moralmente nada, seja vindo de Deus ou do Diabo. Não importa quantas vezes fosse advertido e quais consequências lhe fossem apresentadas, todas permaneceriam sem gosto, sem valor, sem sentido. Para Adão e Eva o roubar, o matar, o mentir ou mesmo o engano, a morte ou a perda de algo valoroso não possuía nenhum peso moral, até o  bendito dia daquela primeira mordida.

O conhecimento do bem e do mal, mais do que um pecado original, é a via (única) que conduz à maturidade; teve, tem e terá, porém, o seu preço. Por isso ateístas não estariam de todo errados em afirmar que o código moral fornecido pelas religiões não é nem evidência da existência de Deus e nem prova da utilidade daquelas. Aliás, essa é a lição do Éden: o conhecimento do bem e do mal não é o que nos leva à Vida, ele pode nos tornar mais maduros, e até mais parecidos com Deus, e assim transforma-nos em juízes cheios de conhecimento, mas ao mesmo tempo, nos afasta radicalmente do Deus de amor e graça.

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Mas nem tudo estará perdido. Como diz Nietzsche, é preciso o caos para nascer a estrela cintilante.

O pouco de maldade em teu coração é o que se chama de malícia, ou, prudência. Um pouco de malícia em nossos corações é o que nos permitirá enxergar a muita malícia de nossos próprios corações. E em última análise, é a tua malícia que te impedirá de seres contado entre os ingênuos, os panacas, os otários. Agradeça a Deus por ela. Já dizia a Bíblia: não sejas justo demais! Por que te consumirias a ti mesmo?

Cristo afirmou que bem aventurados são os pobres de espírito, os humildes, aqueles que reconhecem sua miséria moral. Conhecendo e reconhecendo nossa malícia temos como resultado positivo a chance de nos condoermos dela, e buscarmos a Deus de forma humilde, humana, sensata. Paulo escreve que Deus colocou a todos debaixo do pecado para usar de misericórdia com todos.

Mas a história não termina aqui (como o pessimismo calvinista gosta de sadicamente enfatizar). O homem não tornou-se conhecedor somente do mal mas também do bem.

O homem é bom. A despeito de tudo que Cristo ensinou e mostrou foram os humanistas que acreditaram nisso, mais do que os cristãos de sua época. O homem possui bondade. Ele é capaz de fazer o bem, de tirar bons tesouros de seu coração. Ninguém ama de forma imperfeita. Se é amor é perfeito. O amor é perfeito.

Incorrigivelmente os cristãos estão porém mais preocupados em exercer todo e qualquer poder sobrenatural, o natural é para outra classe de gente. Por que pois gastar nossas forças com coisas do dia a dia? Isso Não exige muita energia, muito tempo e às vezes até dinheiro? Essas coisa custam muitas vezes aquilo que não temos. Aí sim precisamos do sobrenatural.

Exercer a bondade natural, sem um poder sobrenatural, quem sofre é a gente. Já o poder sobrenatural, sem bondade natural, quem sofre são os outros.

É mais factível, e portanto mais lógico, imitarmos Cristo em sua bondade natural, do que deixarmos-nos fascinar por seu poder sobrenatural. Assim também seremos mais humanos e portanto, mais deuses.

4 comentários:

  1. Vc escreveu sede com C (cede)

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  2. Gostei e estamos divulgando seu blog no nosso. Visite-nos e divulgue-nos tb - verdadexpressa.blogspot.com

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  3. Penso que a parte sobrenatural da coisa, começa justamente quando se trata de amar o que não é amável, e fazer o bem para quem nos faz o mal. Ou pelo menos, não revidar. A tendência, é amar os amigos, retribuir o bem e revidar o mal. Fazer diferente disso, já é bem mais difícil. Como o próprio Jesus disse, até os publicanos sabem fazer o bem aos que são seus amigos. O problema, é que tem cristão falhando até na hora de fazer o bem a quem é irmão, que seria o básico... imagina como tratam quem consideram como inimigos.. :P

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