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domingo, 12 de junho de 2011

O ULTIMATO DA ULTIMATO

Marcos Monteiro*

Faz parte do meu trabalho analisar e compreender e isso compreendo, mas é doloroso. A saída de Ricardo Gondim da revista Ultimato parece ser essa coisa corriqueira: um periódico afastando um colaborador por não atender mais a linha editorial. Não importa se atendeu durante vinte anos, mas agora os seus posicionamentos não interessam mais e parece ser legítimo que a Ultimato lhe dê um ultimato que, em certo sentido serve também de aviso para todos nós.

Não há dúvida que estamos nesses momentos históricos cuja densidade somente será percebida no futuro. Tanto o ultimato da Ultimato quanto a postura de Ricardo Gondim deverão passar para a história. O autor da coluna, como alguém que teve a coragem de se pronunciar dizendo o que pensa e não o que espera a linha editorial. E a Ultimato como uma revista que perdeu uma oportunidade única: ser o lugar de acolhimento de duas importantes controvérsias que estão alimentando as imagens e os discursos de nossa sociedade atual.

Gosto de lembrar que a Ultimato já comprou polêmicas importantes, ao ceder espaço, por exemplo, para as concepções políticas e sexuais de Robinson Cavalcanti, avançadas para o tempo. No meio evangélico assume um moderado ecumenismo e uma inteligente apologética, com produções de raríssima beleza e grande qualidade, posições que podem ser consideradas pertinentes e relevantes. Parceira da Visão Mundial em produções contra a violência, a favor das crianças, e em estudos de espiritualidade, sempre desafia a Igreja Brasileira a uma atitude missionária comprometida com transformações sociais. A editora traz entre seus autores alguém da seriedade de Carlos Queiroz, para quem, provavelmente todo mundo já sabe, “ser é o bastante”.

Todas as sextas-feira devo ter um texto pronto em nome do CEPESC (Centro de Pesquisa, estudos e serviço cristão), tarefa que tento cumprir há mais de três anos. Esses textos devem ocupar um certo espaço político e posso escolher o tema (benevolência do CEPESC que não vigia meus posicionamentos pessoais, mesmo quando não são lá tão ortodoxos). mas este tema me escolheu e isso se tornou um processo doloroso de purgação. Somente agora consigo escrever,. duas semanas sem honrar meu compromisso, mas precisava que as dores, as saudades, os respeitos fossem curados no absinto da tristeza.

Saudades de publicações inexistentes, de revistas em que a polêmica pudesse ser produzida e incentivada, e respeito por pessoas que enfrentaram os desafios da vida com toda força de suas convicções pessoais. As dores decorrem da percepção do crucial momento em que estamos vivendo, hora de rever conceitos e repensar modelos. Entre tudo, precisamos rever os paradigmas do século XVI, talvez até reexaminar e reconstruir todos os paradigmas.

Entretanto, não é fácil para uma editora, especialmente se gozar de certo prestígio, evitar os feudos semânticos, campos de significação onde nos movemos apenas como vassalos. As duas questões que desencadearam a crise estão na pauta da atualidade: a questão da homossexualidade, no campo do comportamento, e a idéia de Deus no campo teológico.

Falar sobre Deus é falar sobre o mistério, sobre aquilo que ultrapassa qualquer significação. Portanto, falamos por aproximação, usando modelos e imagens que expressem minimamente aquilo que experimentamos. Questionar a imagem de um Deus soberano é tão legítimo quanto afirmá-la, o debate nos ajudando a pensar sobre o impensável. Por definição, Deus não pode ser definido, a palavra Deus explode qualquer conceito de Deus, não pode haver uma teologia absoluta sobre o Absoluto.

Volta então a questão das questões, o comportamento homossexual e os direitos adquiridos através da PL122. A Ultimato, mais de uma vez, já se posicionou contra a homossexualidade e posicionar-se é direito legítimo de qualquer linha editorial. A questão é fechar uma questão que se encontra aberta, como abertas se encontram as feridas sofridas por uma grande parte da população brasileira.

As discussões sobre Deus e sobre a homossexualidade continuarão, e muitas vezes andarão juntas, desde que teólogos homossexuais e heterossexuais continuarão produzindo suas razões e argumentos, com diferenças cruciais. Para alguns, seus dizeres são pronunciados no lugar confortável da alteridade. Para outros, não. Sua teologia é vivida na própria pele, e seus argumentos vêm como grito de dor ou de clamor por compreensão e acolhimento. Pena que a revista Ultimato seja mais um espaço onde seja negado o seu direito de defender seus direitos.

Feria de Santana, 10 de junho de 2011.

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil

CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com. Fone: (71) 3266-0055.

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