“Como ser cristão sem ser religioso” foi um dos primeiros livros da lavra evangélica que minha irmã católica jogou em minhas mãos, logo quando resolvi trocar esta igreja por aquela. Se tratava de um estudo da carta aos romanos. Não me lembro se a tradução fazia jus ao título original em inglês. Mas o sentido esboçado ali naquelas palavras expressavam o dilema de qualquer pessoa com um mínimo de bom senso, que já tivesse perambulado pelos corredores eclesiásticos e parado para meditar sobre a vida secular de Jesus, o filho do carpinteiro.
Não demorou muito para a igreja evangelical querer se desvincular do rótulo de religião (como se isso fosse xingamento). E como se o problema fosse meramente de semântica. A igreja cristã nunca deixará de ser religião, no sentido mais famigerado do termo, enquanto não se tornar secular, no sentido mais santo do termo. Creio que essa foi a sacada de João Batista e seu sucessor no movimento revolucionário chamados por eles mesmo de “o Reino de Deus”.
Sim, revolucionário visto que político. E sendo político estava disposto a reivindicar seus poderes legítimos sobre todas as esferas da polis, inclusive a religiosa. Tanto João Batista, como Jesus começaram por baixo (e não é de se estranhar que tenham terminado por lá também – no submundo das camadas inferiores e excluídas, e por isso mesmo perseguidas). Evidentemente gozando de respeito (e do ódio) daqueles que detinham o poder, ambos nunca chegaram a compor os quadros organizacionais de qualquer instituição de sua época. Eles eram essencialmente homens simples.
Nos lábios de Jesus, “aquele que serve é o maior”. Ele então como o Rei, adentrou em nossa mesquinha sociedade como carpinteiro (embora possuísse linhagem real – de um reino passageiro, saqueado, destronado e então colonizado); e terminou como serviçal lavando os pés de seus amigos. Como rabi, Jesus não deixou, jamais, que o status e a fama lhe subissem à cabeça; e esteve sempre retornando à sua posição de comando, ou seja, de servo. E nisso ele se difere radicalmente de um clero que foi se formando na igreja cristã, um clero profissional com ares religiosos, mas com propósitos vorazmente capitalistas. Jesus foi um religioso primordialmente secular.
Em sua secularidade, Jesus sabia que sua missão não consistia jamais em retirar pessoas do mundo e trazer para sua turba de seguidores. Sua ênfase, e isso está ali bem claro e acessível par quem quiser ver – nos evangelhos -, foi o movimento inverso fazer que sua turba de seguidores voltassem para o mundo. E notemos bem isso, a igreja (ou os chamados para fora) era um grupo seleto, de pessoas religiosas, sim, mas com uma clara missão no mundo, de ser luz e sal. De levarem o poder transformador (revolucionário) para todas as camadas da polis seculares ou não. Jesus não queria tirar as pessoas de sua rotina, mas ele queria influenciá-las lá onde estavam e deviam permanecer, em sua rotina.
A igreja portanto que foi se formando em Jerusalém e depois até os confins do mundo deveria ser espelho da caminhada de Jesus. Uma vida santa, separada, voltada para as disciplinas religiosas mas fortemente envolvida nas atividades e com as pessoas cujo chamado e vocação profissional se viam em outras esferas da vida social. Com exceção de 12 ou 70 outros vocacionados o chamado de Jesus para ou outros milhares era para que permanecessem onde estivessem (com uma mentalidade, porém, transformada).
Para nós, homens e mulheres de uma sociedade ocidental (secularizada), pode parecer até mesmo natural, e é, que o Messias tenha ensinado ao mundo religioso como se secularizar, falta-nos porém melhor compreensão de que Ele também tenha ensinado ao mundo secular como ser religioso, sem mudar de religião ou se filiar a uma outra qualquer.
Escrevi lá na ultimato. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirUm reparo, porém. Deus quer, sim, tirar as pessoas da rotina, quando esta rotina for insípida, desprovida de alegria ou servir apenas de esconderijo, desculpa para não enfrentar a vida.
No mais, quase perfeito!