Em uma análise sintática os termos assessórios podem ser os elementos mais básicos.
Havia um amontoado de coisas para serem jogadas fora. Mas nem tudo. Em meio àquelas tralhas todas, tentava-se salvar o que aparentava algum valor.
Eram objetos. Velhos e usados. Guardados em caixas de papelão. A primeira caixa foi aberta.
Um álbum de fotos. Fotos em preto e branco, um álbum de capa dura, empoeirada. Era preciso assentar-se para examinar aquilo.
A mão trêmula pegou virou a primeira página do álbum e os olhos miraram naquelas fotos presas pelas pontas com pequenos triângulos de papel, um assombro percorreu a alma, transportando-a a décadas atrás. Pequeno sentado no colo da mãe, rodeado dos irmãos tentava decifrar aqueles personagens sorridentes. Outros sérios vestidos de terno. Na frente sua própria foto. Sentiu-se novamente minúsculo, preso àquela atmosfera confiante.
Olhou ao redor e viu outra caixa. Outro álbum, agora não de fotos. Uma coleção de selos. Veio à lembrança aquela manhã de sábado onde o avô afirmara ter o “olho de boi” e dar início a uma caçada frenética por meio de velhas caixinhinas de remédio cheias de selos rasgados de envelopes. Não tinha o “olho de boi” mas a coleção foi organizada em um álbum.
Na outra caixa um tabuleiro de xadrez. Onde as peças lembravam a mão trêmula do mesmo avô prestes a perder uma partida. O sorriso maroto do pai prestes a ganhar uma. As tardes no calçadão da praia sentindo a brisa do mar e desafiando o irmão para mais uma rodada.
Outra caixa. Um velho jogo de bingo. Quando o pai reunia a família e cantava os números com a alegria de quem estivesse rifando um carro zero. Na outra caixa um gravador com fitas de rolo. Na outra um mimeógrafo. E o cheiro de álcool lembrava a escola e a lista escolar e os exercíos e os Para-Casas que vinham em papel mimeografado.
Lá no outro canto estava uma frasqueira com objetos de costura da avó, linhas, agulhas e agulhas de crochê. Um gorrinho pela metade, trouxe um sorriso de canto de boca, lembrando quando ela sonhava em fazer um gorrinho para cada menino da rua e faturar uns trocados.
Eram objetos. Um barbeador que ao rodar a ponta do cabo ele abria para que se colocasse uma Gilette. Quem sabe não era do avô, que ele contemplou várias vezes admirando a força daquele homem que venceu na vida com um braço só, e agora se barbeava novamente e vividamente em sua memória.
Um alçapão para pegar os canários chapinhas, e lembrar a febre contagiante por passarinhos que o tio trouxera consigo, ao mudar para casa da rua debaixo.
Uma velha forma de bolo. Uma máquina de escrever. Um ferrinho de soldar e uma coleção de revistas de eletrônica.
Um chapéu. Um guarda-chuva. Um canivete. Uma máquina de costura. Cada objeto com sua lembrança, com sua história, com seu sujeito. E seu valor sentimental intrínseco e incalculável.
Naquela liturgia os objetos eram os sujeitos da oração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu pitaco.