Estamos falando aqui de dois juízes que condenaram dois homens. Um deles, indubitavelmente inocente, Jesus de Nazaré, nosso Senhor e Salvador.
Me veio essa comparação à mente, pois vejo certos cristãos atacando com tanto afinco a postura do Ministro da Justiça brasileira, Sérgio Moro, que só me restou essa hipótese: eles estão pensando no julgamento de Jesus. Onde um inocente foi condenado. Eles possuindo esse paradigma em mente, veem todo juízo humano como injusto e falho. E por consequência todo condenado é um injustiçado.
Essa associação é bem parecida com outra bem comum, no mesmo patamar e sentido. É o caso da mulher pega em flagrante adultério. Onde, tenta-se comumente associar toda e qualquer pessoa de vida imoral àquela mulher. Os pecadores são “madalenas” e o “fariseu” é todo tipo de religioso que deixa escapar de seus lábios a palavra pecado. Tive por pouco tempo, um longo e cansativo diálogo com uma pessoa que insistia em dizer que eu não poderia, de forma alguma, dizer que o homossexualismo é pecado; quem era eu para falar isso ou aquilo da vida dos outros, que era uma matéria da qual eu não entendia nada, para querer julgar e atirar pedras, sendo que nós todos somos pecadores. Por fim disse para essa pessoa. Que conhecendo-a entendia sua fé cristã. E entendia que sua maior preocupação era a de não cairmos na posição farisaica de ficarmos condenando os homossexuais e que sabíamos que Jesus ficou conhecido como o amigo dos pecadores. Mas que ela sabia melhor do que eu que o homossexualismo era uma expressão de perversidade sexual, uma delas. E que embora estejamos prontos para, como Jesus, acolher qualquer pessoa por mais pecadora que seja, não podemos em nenhum momento atribuir ao comportamento do Cristo, um aval para a libertinagem e a permissividade. Ela acabou rindo e dando o braço a torcer.
Nós cristãos somos amantes da graça. E devida à essa graça o mundo vem sido radicalmente transformado desde o advento do Filho de Deus, encarnado e feito homem. Mas nunca isso foi ou será o cheque em branco para o “agora liberou geral”.
Dito isso, voltemos ao Sérgio Moro.
Ponto um (fiquemos somente com os três principais), no sinédrio Jesus foi acusado por uma série de “delatores” falsos, falsas testemunhas, cujo depoimento não batia. O plano para prender e matar Jesus (tentando tirá-lo de cena) já estava arquitetado antes de seus julgamentos. Tal plano correspondia na presciência de Deus ao plano de salvação através da morte vicária do cordeiro. Se na perspectiva divina tudo já estava predeterminado, na humana, havia por parte dos atores a responsabilidade individual e moral de cada um. Ali cada um (inclusive Jesus) teve que fazer suas próprias e escolhas e escolher seu próprio caminho. Ali, Jesus se declara o Messias divino, e então é acusado de blasfêmia e condenado à morte e entregue a Pilatos. Qual crime Jesus cometeu? Nenhum. Uma questão religiosa da lei judaica, para os olhos romanos. Mas ele foi feito pecado.
Moro quando recebe as acusações contra Lula, resumida por uma apresentação de Power Point, não estava lidando com uma série de falsas testemunhas. Pelo contrário o que ele tem é um conjunto consistente de depoimentos e planilhas apreendidas com codinomes que foram decodificados, e dinheiro restituído e uma rede de relacionamentos que envolvia a Petrobras, Construtoras e Partidos políticos e seus agentes, diretores, dirigentes e políticos. As suspeitas que vinham em torno de Lula lá do mensalão agora se mostravam ainda mais óbvias. O grande crime do ex-presidente não foi nem tanto flertar com uma reforma num triplex ou num sítio, mas de, no mínimo, permitir um esquema bilionário de corrupção se beneficiando dele para manter-se no poder, pessoalmente ou através de seus aliados. A vítima? O povo brasileiro, as instituições, a política, as estatais, eu e você.
Pilatos recebe para julgar um homem inocente, como jamais houvera na humanidade. Moro recebe um político, vindo de um sistema político corrompido, no qual ele se lambuzou. Repito, não necessariamente em questões financeiras, mas em troca de poder (político).
Segundo, Pilatos percebe logo de cara o conluio para matar Jesus por uma questão de inveja. Ele mesmo declara não ver crime algum em Jesus. E tenta livrá-lo, num primeiro momento. Em seguida os judeus o alertam que se ele libertasse Jesus, não seria amigo de César, pois Jesus dizia-se Rei. Pilatos o confronta com essa ideia e se perturba no diálogo, pois percebe que o homem que estava em suas mãos não era um homem comum.
Moro percebe logo de cara a culpabilidade de Lula, por ser o principal tomador de decisão do principal partido (dentre outros) que estava até o pescoço atolado em escândalos de corrupção. A pressão popular trabalha intensivamente para livrá-lo. A presidente tenta livrá-lo por meio de uma jogada, dando-lhe o foro privilegiado (mais um indício que o cerco estava se fechando). A ação é interceptada pelo judiciário.
Pilatos, que anteriormente se orgulha de ter poder para soltar ou condenar a Jesus, vê seu poder sendo castrado primeiramente pelas ameaças do sinédrio e depois pela multidão que pede a morte de Jesus. Moro, juntamente com o ministério público, estão seguramente convictos da culpabilidade de Lula e detectam o deslize do ex-metalúrgico ao receber reformas em imóveis que estavam à disposição para ele e sua família. Imóveis que construtoras envolvidas nos escândalos de corrupção contabilizavam como propina para molhar a mão do petista.
Por fim, Pilatos chama a opinião pública e convoca um plebiscito para decidir quem seria beneficiado por um indulto de páscoa, Jesus ou Barrabás. A multidão liberta Barrabás. Pilatos condena Jesus, com a acusação de ele ser o Rei dos Judeus. Pilatos lava suas mãos.
Moro dá a sentença, baseado nas provas, nas provas testemunhais, no amplo direito de defesa do réu e em sua capacidade e consciência de juiz. Lula é condenado em primeira instância. O processo é analisado em segunda instância e ele é novamente condenado. E em terceira instância ele é novamente condenado. Para a história fica a figura de um juiz que condenou um homem que veio do povo e se tornou um político profissional chegando à presidência da república. Lá estando mostrou que sua prática estava comprometida não com um projeto de governo, mas com um projeto de poder. Às custas da ética, da qual o partido, dizia-se defensor.
Permanece a queixa sobre a igualdade dos homens perante a lei. E o que se passará com um Renan Calheiros, um Aécio e um Sarnei, dentre tantos que gozam do foro privilegiado, e cujas ações não puderam ser tão intensamente investigadas pelo ministério público? Essa queixa, contra a fragilidade do sistema, não anula, porém, a culpabilidade de Lula. A campanha aqui então não deveria ser para inocentá-lo, mas para chegar-se a outros peixes grandes, até ficar claro para a sociedade que a impunidade não é a regra.
Pilatos entrou para história como o juiz, que covardemente preferiu a amizade do César do que a verdade das evidências, do que a Verdade, o Caminho e a Vida.
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