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domingo, 1 de fevereiro de 2009

O que penso da predestinação (ou respondendo Clóvis – 2)

Caríssimo Clóvis,

Primeiramente tenho que reafirmar que tem sido prazeroso esse intercâmbio contigo. Coisas que somente esse mundo virtual moderno pode nos oferecer e sua gentileza e amabilidade nos proporcionar. Não obstante, pairam nossas diferenças de crenças e interpretação das escrituras. Coisa essa que não seria necessariamente ruim ou indesejável...

Tratei de na primeira resposta assegurar por meio de meus argumentos que creio em um subjetivismo saudável na interpretação das Sagradas Escrituras e que aquilo que Schleiermacher nos legou foi mostrar que a visão de mundo e sentimentos muitas vezes entram nessa interpretação ao lado de nossas faculdades racionais.

Pois bem, em vistas dessas faculdades pensei primeiramente em explorar um pouco mais as questões epistemológicas do termo predestinação que compreende na língua portuguesa quase que um pleonasmo em si mesmo, afinal toda “destinação” é e só pode ser “pré”. O prefixo pré só viria então para reforçar um tempo anterior à criação do mundo, derivação essa, que nossos estudos de grego não nos permite assim automaticamente. Tanto a tradução portuguesa como a inglesa usam um termo que vem do latim “praedestinati”, porém o original grego προοριζω não traz a idéia de “destinar”, mas de “limitar” de “ordenar” a tradução alemã seria mais fiel à idéia original, verordnet, ordenou de antemão. O que Deus teria então ordenado? Se não foi um destino o que então? E quando teria sido este antemão?

A hermenêutica bíblica nos mostra “destinações” ou pré ordenações feitas no “ventre materno” (Is 44:2, Gn 25:23 e Rm 9:11, Gl 1:15, Jr 1:5 dentre outras). Não quero com isso negar o plano traçado antes da fundação do mundo, apenas lembrar que as coisas são mais complexas do que gostaríamos que fossem.

Depois pensei que poderia lhe responder de uma forma que talvez lhe seja menos abstrata, indo diretamente aos textos bíblicos. O problema é que se corre o risco de cairmos na a guerra dos versículos como a Nani bem definiu em seu artigo. Outro problema é que uma resposta com versículo bíblico parece querer fechar a questão e isso está longe de ser minha intenção.

Mas simplificando a conversa vamos aos textos sagrados e recapitular suas perguntas:

a) Você crê que a predestinação é para a salvação?

Conforme Rm 8:29 a predestinação é “para serem conformes à imagem de seu Filho”. Se você entende que ser conforme a imagem de Jesus é ser salvo, então é para salvação.

b) Você crê que a predestinação teve como objeto um número fixo e definido de indivíduos?

Aqui cabem três observações 1) O termo predestinação assume para mim um sentido diferenciado, é menos um alvo, um destino e mais um caminho um estilo (um molde), 2) objeto... sei que não foi essa sua intenção mas o termo trás uma conotação fria que geralmente ronda a teologia da predestinação, não estamos tratando de objetos na mão de um Deus soberano, mas de “sujeitos” nas mãos de um Deus (Pai) amoroso.

Conforme Ap 7:9 não há um número definido nem fixo. (Depois destas coisas olhei, e eis aqui uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro, trajando vestes brancas e com palmas nas suas mãos;) Estes são os “salvos” as vestes brancas mostram o caráter de Cristo. É um número incontável, uma multidão imensa, que estaria longe de ser um número fixo e definido.

c) Você crê que a predestinação torna certa a chamada, a justificação e a glorificação?

Aqui vou me lembrar de algo que foi ensinado lá nos meus primórdios de crente na igreja batista, a eleição é em Cristo. Em Cristo, Deus viu o tipo de gente que Ele queria ter como filhos. Em Cristo foi fixado os limites de nosso caráter. O fato é que não existe chamado (vocação), nem justificação e nem glorificação fora de Cristo.

Assim faço minhas considerações finais relativas a esta postagem:

Me parece que a perspectiva que encaro a predestinação é bem distinta da de Calvino. Concordo com você que o livre arbítrio não é uma idéia central nem da Bíblia nem dos Evangelhos. Mas penso que a eleição divina também não seja. De maneira geral penso que o primeiro conceito deveria sempre andar de mãos dados com o outro para evitar que descambemos para os extremos.

Penso que a ênfase na soberania de Deus pode tanto levar a um santo temor (quando equilibrada) quanto a um comodismo oportunista (quando exagerada) e é difícil estabelecer a linha divisória, a não ser em casos bem específicos.

A fé sim é um conceito central, tanto da Bíblia como um todo, como do evangelho. Ela é a corda que prende nossas escolhas (tão frágeis, tão humanas, tão relativas e pecaminosas) à rocha (firme, soberana e inabalável) da promessa da voz e da palavra divinas. Alguns conjugam fé com obediência, outros a separam da razão, mas o fato é que esse “ouvir a Palavra de Deus”, que produz a fé, está muito mais associado à nossa razão, às nossas escolhas, aos nossos sentimentos e vontade do que queremos. Afinal ao ouvirmos a Palavra Divina passamos a dialogar com o Criador, a nos interagir com ele, e nessa interação pesa-nos uma resposta. Essa resposta é um conjunto de sentimentos, de entendimentos, de ações que ao longo do tempo e do espaço demonstrarão até que ponto estamos tendo fé, confiando ou não, no caráter dAquele que fala

Por isso creio totalmente no sinergismo de Deus com seu povo e com indivíduos. Para alguém chegar a ser plenamente salvo, envolve uma transação que teve início antes da criação, com um Deus tri uno, passando por toda história da humanidade e todos os indivíduos que se meteram nessa conspiração e se desenrola ainda hoje, com todos nós, onde cada um é peça importante, e chegará à consumação dos séculos e seus desdobramentos.

Um abraço fraterno,

Roger

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5 comentários:

  1. E aí, Roger...

    Poderia entrar em contato comigo por e-mail?

    thyamofe@gmail.com

    Aguardo contato, abraços

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  2. Roger,

    Paz seja contigo. Desnecessário dizer o quanto sua amizade e nossa interação virtual são importantes para mim.

    Inspirado pelo título do blog, vou fazer algumas considerações livre que talvez se tornem um texto mais pensado, revisto, modificado.

    Sobre as contribuições de Schleiermacher, declaro-me incapaz de de debatê-las, pois para ser justo com ele, teria que estudá-lo minimamente. Assim, fiquemos com Romanos 8, com o qual estou mais familiarizado.

    A palavra é predestinação. Um verbo, προώρισεν, que como tal tem um sujeito e um objeto, além de tempo, modo e voz.

    O sujeito de predestinar é o Deus referido no verso 28 e Pai do Filho mencionado no 29. Portanto, Deus predestina.

    O objeto (não no sentido de algo inanimado, inerte, mas de quem sofre a ação) são aqueles que foram preconhecidos, ou voltando ao verso 28, os que amam a Deus e foram chamados pelos Seu propósito. Portanto, Deus predestina pessoas.

    Predestina a que? Para serem conformes a imagem de Seu Filho. Que isto está intimamente ligado a salvação, fica provado pelo fato de que ninguém que não seja salvo terá a imagem de Seu Filho, e ninguém que tenha sido transformada á imagem de Seu filho deixará de ser glorificado.

    Em Cristo,

    Clóvis

    Por ora é isto.

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