Estava outro dia me lembrando de coisas, das quais nunca ouvi falar, nunca senti ou experimentei. Fiquei terrivelmente perturbado com elas, pois eram coisas belas e sérias.
Lembrei-me da cela gelada e húmida, na antiga União Soviética, onde o avô de minha esposa ficou preso após a segunda grande guerra, sustentado somente com pão e água. Lembrei-me do sabor do pão e do frescor da água. Lembrei-me dos gritos, dos choros e do som pesado dos passos do carcereiro.
Lembrei-me de Antônia, a negra que várias vezes, ainda quando bebê, alimentou-me, e embalou-me em seu colo, e que após séculos reencontrei no velório de mamãe, com seu mesmo rosto redondo e meigo e com sua netinha mais meiga ainda. Lembrei-me de Doinha, a negra que cuidou de mamãe, e da outra que cuidou de vovó em uma fazenda de café nos arredores de Ponte Nova. Lembrei-me da crueldade com a qual elas foram tratadas por gente de cor branca, e lembrei-me de outras que as trataram com amor e respeito, salvando-lhes a pele diante daquelas outras.
Escutei as bombas que nunca vi cair sobre Munique, vi os olhos de crianças assustadas nos bunkers e porões da Bavária, abraçadas aos seios de uma tia, avó ou mãe.
Escutei suas orações. De todos esses.
Lembrei-me da forma maravilhosa que todas foram respondidas.
Apesar de nunca ter visto, ou ouvido ou experimentado tais acontecimentos, suas lembranças, porém, residem meu passado cognitivo e me fizeram olhar o futuro com mais esperança e mais garra. Até que uma lágrima tocou o chão e o ódio atropelou mais uma vítima inocente.
Daí em diante não lembrei-me de mais nada.
Um comentário:
Roger, cada vez mais profundo, mais bonito. E as lagrimas continuam a rolar...
Denise
P.S. Ainda nao descobri como comentar com meu perfil.
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