Nossa teologia foi por décadas construída sobre jargões que, talvez em certo momento até tiveram seu valor, mas com o tempo foram sendo desgastados e aplicados de forma equivocada, fora do contexto, até assumirem o posto de dogmas.
“Não existe pecadinho e pecadão!” Foi usado no sentido de explicar que, não importa o tamanho de sua culpa, Deus está pronto para perdoar. A graça de Deus superabunda onde o pecado abundou. Com o passar do tempo porém tal jargão foi assumindo o papel de dogma e atropelando até passagens discretas dos Evangelhos onde o próprio Jesus deixa evidente que há graus de pecados: “Aquele que me entregou a ti maior pecado tem”.
O significado implícito do jargão foi então tornando-se: não importa se colo na prova de matemática, se roubo no troco do pão, se sonego o imposto, se adultero, se assassino, se comando uma quadrilha. Tudo é a mesma coisa. Afinal, não existe diferença entre pecadinho e pecadão…
Outro jargão famoso que inspira este post é “Deus odeia o pecado, mas ama o pecador”. Que também teve seu valor no devido contexto e tempo. Mas hoje, como dogma, serve apenas para apoiar uma teologia desequilibrada e capenga.
É nesse contexto que proponho um contra jargão: “Odeio tanto o pecado como o pecador”.
Odeio tanto o desvio de verbas dos cofres públicos, como as pessoas que estão por trás arquitetando esses desvios.
Odeio tanto o fato de pessoas morrerem em filas de hospitais por falta de recursos médicos, como aqueles que bebem esses recursos em copos de Whiskys importados.
Odeio tanto o fato de crianças serem atingidas por balas perdidas, como as pessoas que estão dispostas a morrer ou matar por 21 gramas de uma droga qualquer.
Odeio tanto o fato de pessoas tornarem-se dependentes de drogas, como aqueles que faturam milhões em cima do vício daquelas pessoas.
Odeio tanto o fato da máfia da droga ser abastecida financeiramente por um fiel mercado consumidor, como as pessoas abastadas que estão dispostas a consumir e pagar caro pelas drogas a despeito do mal que isso acarreta à sociedade em geral.
Odeio tanto a corrupção que impede o judiciário e a polícia de fazerem um trabalho descente no combate ao crime, quanto os corruptos e corruptores que se vendem em troca de um bem de luxo qualquer.
Odeio tanto a avareza dos religiosos que enganam seus fiéis para levarem uma vida de luxo, como o religioso avarento que não tem pudor em dizer que é para Deus o dízimo que ele usará para construir seu próprio império.
Odeio tanto a hipocrisia de teólogos e crentes que vivem para elevar seus próprios egos, como tais pessoas que usam a religião para alimentar um deus que não passa do próprio ventre.
Odeio a guerra que aniquila famílias inteiras e mata criancinhas, como aqueles que do conforto de seus púlpitos e escritórios justificam (injustamente) o envio de tropas para detonarem bombas em bairros civis de uma terra distante qualquer.
A realidade do mundo me obriga odiar uns pecadores para que eu permaneça amando outros, que sofrem nas filas dos hospitais públicos, que vivem sob a ameaça de morte por denunciarem um esquema de corrupção, que se sobrecarregam com dramas alheios na recuperação e sustentação de dependentes químicos e suas famílias, que são obrigados a enterrarem suas crianças, que são abusados espiritualmente, que assistem seus países serem destruídos em nome da liberdade e democracia.
Deus, que eu saiba amar uns e odiar, com ódio completo, aqueles outros.
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