Deixando as brincadeiras de lado vamos agora ao que é sério.
“E permitido a nós, médicos, dizer francamente que as igrejas cristãs, de todos os credos, e muitas seitas, têm frequentemente abusado da severidade e das ameaças de Deus. Teólogos, sobretudo poetas e pintores, em uma emoção piedosa, têm exagerado na interpretação da Bíblia, através de fantásticas descrições das penas eternas. Eu não nego que suas intenções foram boas, que foram precisamente de levar os homens ao arrependimento e à salvação. Mas parece, como eu já disse antes, que é necessário prestar atenção a quem se fala. Falar de penas eternas, com detalhes impressionantes, a doentes, ou a jovens que estão em retiro espiritual, que são ingênuos como crianças, que não ultrapassaram a noção infantil e freudiana da culpa, é enganar-se no endereço; e isso pode fazer muito mal! Há muitas almas ainda trêmulas e aterrorizadas por um traumatismo moral como esse sentimento da infância.
Evangelho significa boas novas; é a boa nova da graça de Deus. Tem-se cultivado amplamente na cristandade o medo das penas eternas. Eu não penso que se possa determinar exatamente o papel que ela desempenha no medo da morte. Parece, entretanto, que o medo da morte é maior no Ocidente cristão do que no extremo Oriente.
O medo do inferno pode tomar proporções incríveis em determinados doentes. Eles não encontram nenhuma palavra para exprimi-lo. Um deles, um colega, me dizia: "Minha condenação é cósmica, atômica". As palavras não significam nada, mas nenhum exagero de linguagem poderia exprimir a profundidade do seu desespero. Eu não estou afirmando que a pregação das igrejas seja a causa de tais doenças. Porém a doença ampara-se e nutre-se nela: por outro lado, a mais severa pregação choca-se frequentemente com a imperturbável quietude daqueles a quem ela queria abalar.
Tenho visto muitas almas atormentadas, não com o temor de sua própria condenação, mas com a de outros, digamos, a de parentes falecidos cuja conduta foi julgada mais culpada que a de outros por um moralismo simplista; ou ainda inquietos com a sorte de inumeráveis pessoas que morrem sem jamais terem ouvido falar de Jesus Cristo.”
Paul Tournier em Culpa e Graça
3 comentários:
Roger,
Quando a gente participa de certos cultos ou assiste alguns programas na TV, a impressão que fica é de um evangelho que faz barganhas com Deus, que se não fizer isso ou aquilo na igreja, Deus vai mandar uma maldição. É só medo, quando na verdade o Evangelho significa "Boa Nova". E a boa nova é que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo. Está feito. Está consumado. Isso sim, deveria ser mais ensinado.
Abraço.
Juber,
obrigado pelas suas constantes visitas e comentários perspicazes.
O evangelicalismo há muito tomou a direção errada e não sei mais aonde esse barco vai dar...
O problema não é o evangelho, mas sim as inúmeras e difusas interpretações feitas a respeito. Há de observar que o VELHO TESTAMENTO, abordava a doença como um castigo de Deus e a boa nova anunciada por Jesus Cristo no NOVO TESTAMENTO, já dizia que tudo vem para honra e glória do senhor, ou seja, tudo vem para o amor e o bem comum. Seja a doença que muitas vezes leva a morte física ou a cura que proporciona a sobrevida.
Como que a morte gera o bem comum? Este é um mistério que pode ser discutido. Diante da morte enfrentamos nossa fragilidade e, muitas vezes, reavaliamos nossos valores e mentalidade sobre a vida. Passamos a dar mais valor para as pessoas que sentimos afeto. Da mesma forma quando há a graça da cura.
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