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quinta-feira, 18 de junho de 2009

Uma carta fechada sobre a banalidade do mal

A história da natureza começa pelo bem, pois é obra de Deus; a história da liberdade começa pelo mal, pois e obra do homem.

(Kant)

O assunto é capital e acende idéias. “Como uma janela da revelação o enlace não acontece no cosmo, mas dentro do coração humano”. Rubem Amorese tem razão quando aborda esse assunto e preconiza como um espetáculo. [1] Quando os protagonistas entram em cena começam as divagações humanas. A partir daí surgem os grandes conflitos da alma. Dentro dele me sinto na marginalidade, e percebo algo que o Autor somente revelará no último capítulo o grande problema do mal e sua origem. “Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos”. (Isaias 55:9). Entretanto, ignorá-lo, expurgá-lo do pensamento ou esconjurá-lo dos problemas humanos seria insensatez; [2] pelo contrário, torna-se provocativo. Nas cadeias que prendem meus devaneios suspeito que haja uma conspiração na história. O Autor continua a escrever, e nas entrelinhas divinas nos remete indicações: De fato “Os ventos são eles mesmos invisíveis, mas o que eles fazem mostra-se a nós e, de certa maneira, sentimos quando eles se aproximam” (Sócrates). Se contasse o desfecho final o drama perderia a graça, por mais que tudo apontasse para isso. O quê? O mal em sua concepção é uma perversidade escondida no coração.

Afinal, o mal existe? Se existe, poderíamos expurgá-lo? Uma das questões mais refletidas no pensamento humano. Qual a origem do mal? Inegável. Na verdade nossa inquietação gravita em torno da eliminação. Queremos extirpá-lo, dominá-lo ou superá-lo. Contudo, “Deus não veio explicar o sofrimento; ele veio preenchê-lo com sua presença” (Jean Delumeau citando Claudel) O interessante que, por influencia, em parte, absorvemos a teoria maniqueísta – Mani, profeta do século III cuja proposta era colocar o mal em seu devido lugar, ou seja, no foco central. Para Mani o grande objetivo não pode ser, portanto, eliminar o mal, mas sim, separá-lo do bem. Essa teoria foi combatida pelos discípulos de Agostinho. (Marcos Costa, 2003) [3]

Por enquanto não tenho respostas. Meu vôo é simples e rasante. Ora, o “mal” é abstrato, possui amplas distorções e convenientes interpretações. Razão disso talvez seja a experiência pessoal de cada um. Séculos antes de Cristo Epicuro percebeu:

“Deus quer acabar com o mal, mas não é capaz?

Então não é onipotente.

É capaz, mas não o quer fazer?

Então é malévolo.

É capaz e quer fazê-lo?

Então de onde surge o mal?

Não é capaz nem quer fazê-lo?

Então por que chamar-lhe Deus?”

Quanto a isso, Andrés Torres Queiruga ironiza e trata o dilema de Epicuro como pressuposto, alerta-nos para coerência. “Nem um finito (de Voltaire a Hans Jonas), nem um deus malvado (como o insinuado por Cioran) resultam num conceito impensável”, no entanto, para nós, há razões imperscrutáveis. Deus amou o mundo de tal maneira que entregou seu filho à cruz para salvá-lo. (Queiruga, 2003, p. 131) [4]

No aspecto de liberdade, o desejo humano tem como característica atribuir, ele próprio, sua lei, e o ser humano realizar sua essência quando obedece à lei moral. Sinto um espírito teimoso impulsionando-me a fazer uma leitura romântica, porém, esbarro nos textos bíblicos e nas interpretações de séculos. Apesar de delimitado, em si mesmo, o tempo todo adjunto apontamentos que iluminam em varias direções. Não é razoável negá-lo ou expurgá-lo do mundo. Sem o mal como possibilidade “não é possível tal mundo, por a raiz última do mal, sua condição de possibilidade, situa-se na finitude”. Leibniz (Queiruga, 2003, p. 131)

Hannah Arendt, referindo-se ao tema banalidade do mal, no livro A vida do espírito, escreveu:

Será o fazer-o mal (pecados por ação e omissão) possível não apenas na ausência de “motivos torpes” (como a lei os denomina), mas de quaisquer outros motivos, na ausência de qualquer estímulo particular ao interesse ou volição? Será que se defina este estar “determinado a ser vilão” – não é uma condição necessária para o fazer-o-mal? Será possível que o problema do bem e do mal, o problema de nossa faculdade para distinguir o que é certo do que é errado, esteja conectado com nossa faculdade de pensar? Seria possível que as atividades do pensamento como tal – hábito de examinar o que quer que aconteça ou chame atenção independente de resultados e conteúdo específico – estivessem dentro das condições que levam os homens a se absterem de fazer o mal, ou mesmo que ela os “condicione” contra ele? [5]

De vez enquanto me volto para reflexões com idéias que norteiam essa investigação e se alinham a todo tempo com a liberdade do ser. Estou certo que no cristianismo esta matéria carece de uma nota distintiva. Como um trilho que segue na mesma direção a Soberania de Deus e Liberdade humana, nos conduz pela zona de convergência da moralidade e rebeldia. Isto é fato. Portanto, o bem e o mal estão enraizados na liberdade humana.


[1] Meta-historia: a história por trás da história da salvação. Soberania de Deus e Liberdade humana.

[2] De acordo com a teoria kantiana o mal é positivo “o não bem pode chamar-se mal positivo” considero necessário para o desenvolvimento humano.

[3] Maniqueísmo: História, Filosofia e Religião. Vozes, Petrópolis, 2003.

[4] Esperança apesar do mal, Paulinas, São Paulo, 2003. p.131

[5] A vida do espírito: pensar, o querer, o julgar, p. 5,6.

Um comentário:

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

Grande reflexao, Chagas!

O interessante do debate ético, é que por mais nobre e bonito que seja, em dado momento, o fiel, se vê liberto de suas amarras. Nao que ele se torne anti-ético ou mau, mas a-ético.

É algo do coraçao e nao compete ser julgado por ninguém, nem mesmo, ou melhor, muito menos o Criador ousaria fazer isso - nao vim para julgar.

Como n'O Salto' as barreiras do estético e ético sao rompidas para dar lugar a experiência religiosa (espiritual) real: Lá está a Liberdade.