Martin telefonou-me semana passada e queria muito que nos encontrássemos. Estranhei seu tom de voz depressivo.
Conversamos ontem numa caminhada ao longo da margem do canal que liga o rio Danúbio ao Meno – Main-Donau Kanal. Martin estava com uma aparência horrível. Ele que geralmente era muito alegre e nunca descuidava de seu outfit, estava com uma roupa muito suja e amassada, a barba por fazer. Tudo indicava algumas noites sem dormir.
Ele foi logo dizendo, com os olhos cheios de lágrimas, que havia tentado suicídio há dois meses e esteve alguns dias hospitalizado.
Seu pulso direito tinha um curativo.
Perguntei quantos pontos ele tinha tomado, pelo que me explicou que havia tomado pílulas várias e não cortado o pulso.
Depois eu reparei que em sua testa havia também uma estranha cicatriz.
- O que diabos aconteceu, Martin?
- Teufel… (Diabo) - Conversávamos em alemão - resmungou ele. Agora eu sou dele.
Percebi em seu olhar algo de sinistro.
- Você precisa me ajudar amigo. Você é uma dessas pessoas abençoadas.
- Se você me falar como, contar o que aconteceu…
- Você se lembra que eu estava com algumas dívidas e precisando de grana.
Acenei com a cabeça.
- Pois é, fui ao Commerzbank… Já havia recebido vários convites deles e visitas de um consultor de finanças. Mas sempre esperei que a situação melhorasse e poderia assim evitar um crédito.
- É, dívidas podem ser um grande problema, mas fazem parte da vida – tentei ser simpático (tarefa nada difícil, afinal tinha lá também minhas contas a pagar).
- O dinheiro não é mais problema… O cara me apresentou condições ótimas e agora tenho grana de sobra. Mas o preço foi alto. Um dos gerentes que me recebeu, me apresentou um novo sistema de identificação que eles estavam introduzindo… agora não consigo tirar essa coisa de mim! Desmoronou ele, apresentando o pulso e apontando a testa.
- O que é isso, cara? Perguntei já um pouco assustado.
Martin tirou de seu bolso um i-Phone, teclou algo, mostrou-me um aplicativo do banco com uma pergunta de identificação e aproximou-o do pulso.
O login foi automático. Ele fez o logout e depois aproximou o celular da testa e entrou no sistema do banco novamente.
- Roger, agora não preciso mais de cartão, senha, assinatura nem nada. Assinei alguns papéis e eles me deram uma espécie de injeção na testa e no pulso… Eu precisava daquela bolada…
- Eles te introduziram um microchip?
- Não! Não sei o que fizeram. Olha!
Martin ajustou algo no celular e aproximou-o da testa de novo. Tirou uma foto. E me mostrou.
Foi dando um zoom, até que apareceu uma pequena manchinha branca.
- Olhe bem é o número 666! Estou ferrado!
Peguei o celular e analisei a manchinha. Não consegui ver o número. Se é que tinha algum.
- Deixa eu ver sua testa.
Assim você não vê nada. Toma aqui – Tirou um lupa de seu bolso.
Tinha algo estranho lá, mas nada que eu poderia dizer ser um meia meia meia.
- Roger, olha bem. E fez uma foto do pulso e a ampliou novamente.
Olhei. Tinham três pontos consecutivos. De fato pareciam três números seis…
- Eles te explicaram como essa identificação funciona? Perguntei intrigado – O que estava escrito nos papéis?
- Você não acha que li todas aquelas letra miúdas? As grandes explicavam o sistema de crédito, e adesão ao novo sistema de identificação. Cara a coisa é infernal! Perdi a minha alma! Perdi não, Vendi! Gritou ele agitado, agachando-se e escondendo a cabeça entre os joelhos.
- Você deve ter uma cópia desses documentos…
- Nada.
- Você pode pedir uma.
- Roger, você me ajuda?
- Claro, Martin, sou seu amigo. Mas como?
- Vamos ao Commerzbank e pedir essa cópia.
Voltamos para o estacionamento e fomos juntos no carro dele. Era um novo BMW. Ele foi me explicando como materialmente as coisas tinham melhorado muito para ele. E me contando como as pessoas eram super simpáticas lá no banco, e que ele participava de reuniões regulares. Pouco antes de descermos do carro explicou-me que na medida em que ele conseguia novos clientes o seu crédito era aumentado. Ele já tinha recomendado algumas pessoas…
- Mas se você pensa que isso é do Diabo… Como pode levar mais gente para lá? Perguntei intrigado.
- Às vezes as dúvidas vão embora… Quando elas chegam é terrível, quase me matei. Mas tenha hora que elas vão embora.
No banco fomos conduzidos para um sala de espera. Martin parece que conhecia todo mundo lá. Um senhor de cabelos grisalhos conversou com ele em um dialeto bávaro que não conseguia entender. Depois, ele me cumprimentou sorrindo e contou-me num português com assento alemão de suas viagens a São Paulo.
- A trânsito é um loucura! Comentou ele. O Brasil é uma pais maravilhoso!
Ele nos convidou para assistirmos uma palestra que seria proferida no salão de conferências, sobre investimentos na America Latina - Enquanto vocês esperam pela cópia dos documentos. Vai ser breve.
No fundo já queria ir embora, mas acabei consentindo.
Após vários gráficos, curvas e logos que mostravam por A mais B que as economias emergentes eram a grande oportunidade do momento e do futuro, o palestrante apresentou seu produto financeiro, e que estavam a procura de clientes de fala portuguesa que pudessem consolidar o portefólio do mercado brasileiro.
Num piscar de olhos estava com meu amigo a uma mesa, em um escritório com o palestrante e o senhor de cabelos grisalhos.
Martin tinha a cópia de seus documentos.
Eu tinha um outro documento em mãos e uma caneta.
- O senhor pode escolher: na testa, no pulso, ou nos dois. Disse-me uma bonita e elegante mulher com algo como uma seringa na mão.
Martin me olhava com um riso contido e nervoso e aquele sinistro brilho nos olhos.
6 comentários:
Meu, nunca mais entro numa agência bancária!!!
Ou será que eu já estou marcado e não percebi???
Vê se tem alguma coisa aqui na minha testa, ó...
...cadê o cara que disse "que de graça até injeção na testa"?...
Me passa logo o endereço desses caras.
E aí. Assinou?
O Brasil precisa de um representante, urgente, alguém se habilita?
interessante. a expressão da malignidade da alma.
Pr.Charles Maciel Vieira
http://palavraeteologia.blogspot.com/
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