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domingo, 27 de novembro de 2011

Teofania

Os momentos em que Cláudio encontrou Deus marcaram o resto de sua vã e breve vida. Foi no final da tarde de um longo e pesaroso dia.

Cláudio era uma destas pessoas que preferia a solidão aos ajuntamentos. Sentia-se melhor ao ar livre, do que dentro de quatro paredes. Para orar, preferia um parque ou uma praça, do que uma igreja ou mosteiro.

E foi por isso que ele dirigiu-se ao por do sol e deitou-se naquele banco inconfortável.

Cláudio estava cansado, na verdade, exausto. Para sua idade era uma anomalia. Era para estar com todo pique, mas há muito já estava cansado da vida. Se via como um fracassado, ainda que tivesse galgado alvos ambiciosos; se via um derrotado na batalha consigo mesmo. Por que se achava sempre lutando com os mesmos problemas, as mesmas fraquezas, os mesmos medos, os mesmos vícios?

O ambiente a seu redor era opressor, não importa para onde olhasse, desde o âmbito familiar até o político, desde o eclesiástico até o mundano… Já havia sido usado e abusado diversas vezes em vários sentidos. A coisa parecia não ter fim, e além do mais, só ia piorando. O mal definitivamente venceria a batalha.

Foi com esse espírito que Cláudio contemplava as últimas e escurar nuvens que ainda se podia avistar no alto céu. Via surgir algumas estrelas que conseguiam se impor ao clarão da cidade. E lá na frente, mais abaixo, a linha avermelhada do horizonte já engolia por completo o sol. A noite chegava – “por que nasci do lado errado?” – suspirava Cláudio, fechando os olhos e quase que adormecendo.

Foi então que percebeu um sujeito ofegante se aproximando de seu banco.

Não abriu os olhos. Mas sabia, de uma estranha e incômoda forma, que era Deus. Nunca isso lhe havia acontecido. Numa hipócrita reverência, preferiu permanecer de olhos fechados.

Deus se assentou em seu banco, aos pés de Cláudio, e permaneceu em silêncio, talvez também a contemplar o firmamento, ou a se despedir da luz do dia. Quem sabe se Deus não estava a observar Cláudio ali deitado, que por sua vez sentia em seus pés o calor do corpo divino?

Deus deitou-se ao lado de Cláudio. Este, ainda de olhos fechados, num impulso automático, estendeu um braço para acolher e abraçar a Deus. Cláudio ficou deliciosamente assustado e sentiu seu coração acelerar.

De repente, Cláudio começou a duvidar se seria Deus mesmo. Não sentia nenhum perfume, mas também nenhum mau cheiro. O corpo daquele que agora se via entrelaçado ao seu não denunciava se feminino ou masculino. Também não sabia se de um adulto ou criança. Era certamente um indivíduo humano. Cláudio sentiu-se tentado a expiar, mas ali deitado, conteve-se em acariciar a cabeça de Deus.

Em alguns minutos as dúvidas se dispersaram.

O rapaz ficou ali ouvindo o respirar da divindade, contínuo, ininterrupto, eterno. Embora estivesse bem próximo não ouvia batidas do coração. Deus parecia dormir.

Quando, quase que de ímpeto, num impulso de amarga lucidez,  se dispôs a levantar-se; lembrou-se… Lembrou-se de Jesus, que Ele, em meio a tempestade de águas violentas, dormia em um barquinho, com a cabeça sobre um travesseiro.

Cláudio acalmou-se. Abraçou Deus um pouquinho mais forte e tentou também pegar no sono.

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