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domingo, 3 de junho de 2012

No fim do dia

Cláudio não teria ficado um pouco mais na cama, quando o despertador tocou, se soubesse que morreria naquela noite, pelo contrário teria levantado mais cedo, antes do nascer do sol.

No escuro teria feitos suas rezas, as quais há anos não faz e já não se lembrava mais.

Teria ido lá fora, ver o sol nascer. Teria observado o dourado invadir o azul infinito do céu e teria medido sua pequenez.

Mas Cláudio não sabia que ia morrer no fim do dia. Ficou na cama até o último minuto e levantou-se apressadamente para o trabalho, para mais uma reunião “importante” que tinha. Mal tomou café, café solúvel, não viu o filho, não se despediu da mulher, pegou a pasta, saiu.

Sim, se num sonho naquela madrugada tivesse tido um presságio, talvez tivesse coado o café com mais gosto, teria ido na padaria e buscado um pão quentinho. Teria posto a mesa para toda a família, teria ido acordar a mulher com um beijo de bom dia. Se fosse um presságio, o sonho da noite, teria guardado sua tristeza só para si. Teria inventado uma desculpa para chegar atrasado no trabalho, teria mentido. Teria feito amor.

Mas Cláudio foi embora apressado.

No carro, num sinal, um menino pediu uma esmola. Cláudio teve tempo de fechar o vidro para não ser incomodado.

Mas se ele, Cláudio, soubesse que esse era o seu último dia nesse mundo, teria ido acordar o Lucas, teria beijado o filho, deixado ele escolher um brinquedo e brincado juntos. Teria se aprontado ao lado do Lucas, ele para o trabalho e ele para escola. Antes de se despedir do filho teria pedido pra ele um brinquedo para o menino do sinal.

Ele teria esperado o sinal ficar vermelho, aberto o vidro, perguntado para o menino o seu nome, descoberto que ele também se chamava Lucas, dado para ele uma boa esmola e o brinquedo e seguido em paz para o seu trabalho.

Mas quem sabe quando será o seu dia?

Na reunião tão importante, onde Cláudio aproveitou para humilhar o Humberto e impor seu ponto de vista, ficou decidido que a folha de pagamento teria que ser reduzida. Era a única chance de sobrevivência da empresa. Arrasado por ter que mandar gente embora, Cláudio se consolava pelo fato de estar salvando a pele dos que ficavam. Mas será?

Caso soubesse do seu fim trágico na noite que já se aproximava, teria preparado outros relatórios para a reunião. Teria ouvido o Humberto, teria entendido a importância de preservar a mão de obra que há anos era fiel àquele empreendimento.

Teria se despedido dos colegas com um sorriso leve no rosto. Teria enxergado nos olhos dos companheiros sua própria alma.

Mas Cláudio, quando já era noite, foi embora debaixo de um ar pesado e maldito. Não olhou no rosto de ninguém. pegou o seu carro, saiu e foi pro casa. Onde ele jamais chegou denovo.

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