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quarta-feira, 3 de abril de 2013

Ávida como ela é

Saio de casa. Vejo uma mulher remexendo com avidez o lixo, buscando algo para comer.

Desço a rua. Pego um ônibus que me leva ao centro da cidade. O fedor de um esgoto a céu aberto, que usam chamar de rio invade o veículo. Alguns passageiros tampam o nariz com a blusa.

Desço em frente a uma banca de jornal. Observo as manchetes de violência, crimes e corrupção. Olho para toda sorte de bugigangas que o jornalista tem para oferecer. Quase em maior número que a barraca do camelô a seu lado.

Desço a rampa do parque. Observo muros rabiscados, grades enferrujadas, brinquedos quebrados. Vejo um grupo de meninos e meninas de rua se drogando.

Passo em frente à escadaria da igreja e vejo um homem com elefantíase pedindo esmolas. Lá na frente um outro cego aos berros vendendo loterias.

Àvida, como ela é, a injustiça como uma gangrena corrói a cidade, o povo, o país. Até quando?

Como um desertor acordo na Europa. Nas ruas da Alemanha não sou agredido pela injustiça social, não sou desafiado a buscar soluções, não sou incomodado em meu conforto.

Por que haveria de sentir saudades de minha Belo Horizonte? Não seria na companhia dos amigos da classe privilegiada de lá, que em seus bares, bebíamos a nossa covardia que nos impedia de mudarmos algo?

Não era na companhia dos amigos miseráveis que, em suas esquinas,  tragávamos nosso conformismo que nos mantinha em paralisia crônica?

Saudades de quê? De um time de futebol e dos gritos saindo da garganta de um menino que tinha seus heróis em camisa azul e cinco estrelas no peito?

Essas sim, talvez me deixassem nostálgico nas noites do hemisfério norte. Por que não brilhais aqui também? Me apontes o sul, como apontastes aos navegadores portugueses.

Ó Cruzeiro do Sul, me indique de novo as montanhas, a Serra do Curral. Mostre-me o caminho das manifestações singulares da cultura que me pariu, ainda que ávida meretriz, que se vende e revende para alimentar seus luxos e caprichos.

Me faça como que num milagre, resplandecer aqui no norte a sua cruz, seu símbolo de morte. Para que eu me lembre que é só nela que encontrarei a vida.

Acenda com seu brilho as lembranças de Brant, de Nascimento, dos Venturinis, de Sabino e de Drumond.

Mas me sinto um exilado. Me deitarei na companhia de bons filósofos. Aprenderei sobre a vida com Thomas Mann, com Goethe, Schiller, Wagner e Bach. Celebrarei a liberdade com os jovens inconfidentes da Rosa Branca e com Bonhöffer.

E ao me levantar, os lixos estarão intactos. E quando uma mulher pobre precisar de algo para matar sua fome, ela, simplesmente, se dirigirá a um supermercado.

Um comentário:

O Tempo Passa disse...

Huuummm... estranhamente instigante...