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domingo, 21 de junho de 2015

21 de junho

mae“Hoje é meu aniversário. 62 anos. […]

Estou cansada de fingir que está tudo bem comigo. Deus sabe que não me conformo. Todo dia, toda hora que olho pro céu eu pergunto: Oh! Meu Pai, porque o Senhor fez isso conosco?

Foi a primeira vez que Deus me decepcionou.

Eu esperei com toda certeza, até o último momento que Ele revertesse a situação. Como Ele sempre me ouviu.

Agora, eu entendo,quando fui ficar uns dias com D. Maria quando  Zé Cária morreu e eu a encontrei tranqüila e serena; entendo também a serenidade de Guerrinha quando nos encontramos numa passeata de greve e ela me perguntou se eu sabia que ela havia perdido Mazzarello. Dalva quando perdeu os três filhos e uma netinha em acidente.  E tantas outras pessoas amigas que perderam entes queridos e eu ficava me perguntando como podiam suportar com serenidade.

Agora entendo; a serenidade é só por fora; uma espécie de 'abobamento" . Por dentro, é dor só. Dor, dor  e mais dor.

O sentimento é de que arrancaram um pedaço de mim que eu não sei qual, nem onde está.

E junto com a saudade de Carminha, vem uma saudade danada de papai, mamãe, Doinha, Tarcísio, Tia Lili, Madrinha Tereza,  Padrinho Nutinho, meus avós, todas as pessoas queridas  que já se foram.

Agora é que parece que eu tomei consciência da partida de todos eles, realmente. 

Agora  também é que realmente eu tenho certeza que sou mortal.

Antes eu tinha absoluta trnqüilidade que Carminha e eu viveríamos mais  de 90 anos como mamãe e várias de nossas antepassadas. […]

Também eu tinha absoluta certeza que chegaria, pelo menos aos 80*. Agora é que tomei consciência, apesar de ter convivido tanto com Doinha que repetia sempre que nunca sabia se estaria viva no dia seguinte, que posso partir a qualquer instante, que não tenho garantia nenhuma nem para amanhã, nem para esta noite.

Talvez só na outra vida Deus vá me permitir entender "porque Ele fez isso conosco". Por enquanto, deverei continuar sofrendo, fingindo que tudo está bem, aproveitando para chorar na rua, no Centro da cidade onde ninguém me conhece e onde pode acontecer de tudo.”

Extraído do livro “Lembranças” de Rosarinha

*Mamãe que morreu com 70 estaria fazendo hoje 77 anos.

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