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quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Foi Deus quem quis assim

Lancei uma provocaçãozinha via Twitter, sem muita pretensão, mas acabou achando mesmo o endereço certo, um amigo que se pronuncia radicalmente contra o fatalismo relegioso.

Foi Deus quem quis assim – (sabedoria popular)” foi o teor de meu tuitar.

Fui provocativo, sei. Eu mesmo, particularmente, nunca gostei da maneira como ouvi esta frase por anos a fim. Admito que ela  não escondia sabedoria nenhuma, quando dita numa situação de miséria ou injustiça, como forma de resignação. Como conformismo.

O esforço para desconstruir esse conformismo não deve ser pequeno. Reforçá-lo, sem dúvida, seria um desserviço. Mas às vezes, para desconstruirmos uma mentalidade deveríamos iniciar por preservar o que nela há de valor. Filtrar o que há de verdadeiro, para depois podermos descartar claramente aquilo que é mentiroso.

Uma experiência pessoal e recente, me forçou a repensar, a meditar nessa lógica tão popular. E pude ver certa simplicidade e sabedoria nela. Cansado de lutar e sofrer injustiças, refém de um sistema infinitamente mais poderoso e maligno, o povo apela para a soberania de Deus. A última palavra deve vir e virá dEle…

Não teria sido esta visão que Isaias teve da crucificação cruel e injusta do pobre rapaz de Nazaré? „Mas aprouve a Deus moê-lo“.

"Foi Deus quem quis assim." Me faz pensar na lucidez e soberania daquele judeu frente a seu opressor romano: "Nenhum poder você teria se do alto não lhe fosse dado..."

"Foi Deus quem quis assim" - Me faz pensar na determinação e perseverança invejáveis de Jesus, frente ao mal iminente e inevitável: 'Não beberei eu o cálice que meu Pai me deu?"

Um alerta porém fica. Jamais cometa a falha de remover essa frase dos lábios da própria vítima para outros, de um pseudo consolador. Seria um erro irreparável. Ela deve permanecer sempre imaculada e sacra nos lábios da própria vítima (do povo), como uma contrição que é a própria chama a consumir-se e arder da terra aos céus.

Sem dúvida a maldade humana é quem determina muitas das injustiças nesse mundo, e isso não é vontade divina. Sem dúvida temos também as contigências do viver humano, repleta de riscos e surpresas desagradáveis, que nos tornam quem nós somos: humanos. Mas nada disso pode nos privar de reconhecer que Deus anseia por uma vontade melhor (como a que é feita nos céus); e mais ainda, ou apesar disso, que Ele permite meu sofrimento, sofrendo junto comigo. Ele permite minha miséria, nem sempre me livrando dela, mas trazendo seu coração para o centro dela. Afinal não é esse o significado da palavra misericórdia?

"Foi Deus quem quis assim", nos corredores de Auschwitz, nos lábios de Corrie ten Boom ou de sua irmã Betsie, vítimas de um KZ nazista, significaria um “assim” que passará. Não é um „assim“, do mal em seus requintes e profundidade. Mas o „assim“ de um mal que é passageiro, onde a última palavra, apesar de tudo, será dada pelo Bem.

"Foi Deus quem quis assim" - É uma frase que mais cedo ou mais tarde aprenderemos a balbuciar, com a devida integridade, com o devido despojamento, com mais e mais  regularidade, nos corredores desse mundo, nos corredores da vida.

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