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quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Conservadores ou liberais? (3)

O DEBATE entre conservadores e progressistas é mais complicado do que imagina nossa vã filosofia.

Quais são suas origens, para além de querermos ser simpáticos com feministas, minorias diversas, pobres, jovens, ateus ou religiosos? O termo "conservador" nasce francês, no início do século 19. Referia-se aos simpatizantes da "carta" que o britânico Edmund Burke escrevera a um intelectual francês logo após a revolução de 1789. (...)

Num primeiro momento, "conservar" seria preservar as instituições políticas em funcionamento e as intuições morais e religiosas que sustentariam uma condição civilizada sempre em risco. Não se mexe com seres humanos sem temor. De onde viria esse temor? Sua carta ficou conhecida como "Reflexões sobre a Revolução na França". Lê-la nos tira da banalidade nesse debate.(...)

Infelizmente reduzimos rudemente esta herança a dois dos sentidos que ela adquiriu ao longo dos séculos 19 e 20. Os únicos conhecidos pelo senso comum.

O primeiro é o "amor ao mercado" (e atualmente, com a crise americana, o ruído volta na esteira da batalha entre democratas e republicanos). O segundo é o "amor à religião". Fora do seu contexto filosófico, esses traços viram caricaturas ridículas. Hume, Burke e Tocqueville não são sinônimos de "Bush pai, Bush filho e cristãos americanos fanáticos". Não é "coisa" de gente careta com medo de sexo, ciência e insensíveis à pobreza, fundamento racional da moral. Para ele, nossa ação é movida por hábitos ancestrais e pelo afeto (senso moral) e não porque "conhecemos" racionalmente o Bem e o Mal. A razão é escrava das paixões. Hume considerava "fanáticos" tanto os racionalistas (crentes na razão) quanto os religiosos radicais.(...)

Conservar o quê? A dúvida para com as soluções racionais e "científicas" apressadas, e as fórmulas políticas de "gabinete". Conservar a consciência da longa experiência humana com sua própria loucura.

Isso não implica em recusar mudanças, implica sim em prudência com as ilusões de que os humanos sejam facilmente racionais, belos e bons

Luiz Felipe Pondé, na Folha de S.Paulo.

5 comentários:

Felipe Fanuel disse...

Talvez daqui a 50 anos eu me torne um conservador no sentido que o coloca Pondé, como aquele que se caracteriza pela "dúvida para com as soluções racionais e 'científicas' apressadas, e as fórmulas políticas de 'gabinete'".

Hoje, porém, aos 24 anos, estou mais para não conservar nada além do sonho — às vezes, para ser sincero, nem a consciência.

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

Felipe,

gosto do seu ímpeto!

Sabe? Odeio rótulos e gavetas para pessoas, pois como vc bem colocou, todos nós somos contigenciais.

Abraços fraternos,

Roger

PS: estou acompanhando e gostando da pregração do mau ladrão.

Rahel Lehenbauer disse...

Teci meu primeiro comentário neste blog no post 2 desse tema, e aproveito a pergunta ensejada neste terceiro post para seguir comentando.

Primeiro, o problema dos "rótulos", tão odiados. Bem, ao que parece, o título da enquete e dos posts induzem ao rótulo. Então, não temos muito o que odiar a não ser nossas próprias opiniões e respostas, pois de uma forma ou de outra, quem tentou responder, rotulou. Particularmente, não vejo nada demais em rotular. Vejo apenas como um ponto de partida para a discussão... até mesmo Jesus criou "bons" rótulos: "fariseus!".

Se tentarmos não seguir rótulos - o que me parece quase impossível, pois ao mesmo tempo que rótulos tendem a parecer pejorativos e odiosos, eles fazem parte da comunicação e da vida - então as únicas perguntas que restam são: - conservar o quê?
- liberar o quê?

Sem essas respostas, a discussão é muito ampla. Ampla até demais. E, para minha cabeça, chega a causar confusão... e olha que não me considero um alienado ou desinformado, seja teológica, politica, ou economicamente (e outras "mentes").


Em um segundo momento, ou até concomitantemente, penso que precisamos perguntar sobre as relações. Depois de decidir o que vamos rotular de conservador ou liberal, vamos precisar relacionar para aplicar o perfil, ou seja:
- para um determinado cristão, por exemplo, o ministério feminino não é permitido, sendo ele "conservador" em relação à igrejas que entendem que não à problema teológico nessa área; por outro lado, esse mesmo cristão poderia ser considerado "liberal" em sua relação com a bebida, jogos, e festas.

Nesse sentido o Felipe Fanuel colocou bem a questão, por exemplo, sobre um fenômeno que acontece mesmo dentro de igrejas teologicamente mais liberais:

- há vinte anos atrás, certa igreja "liberal" em relação à outras mais "conservadoras" (que não aceitam mulheres no ministério, que não conseguem estabelecer comunicação com homossexuais, prostitutas, beberrões, e são bastante apegados à hinologia tradicional do século XVI), resolve estabelecer um ponto de missão em um bairro nobre, onde o pop-rock é bastante ouvido entre homossexuais e Yupies que adoram um happy-hour. As pessoas desse ponto de missão aprenderam a conversar com esse "público", aprenderam a utilizar o tipo de música ouvido por eles com letras cristãs, enfim... se adaptaram culturalmente nos aspectos estéticos mas não renderam sua cultura teológica e hoje são uma grande comunidade cristã-conservadora. Como assim conservadora?

Bem, passados vinte anos, eles não estão abertos à novos estilos musicais e não conseguem compreender as filosofias pós-modernas de seus vizinhos e passaram a "conservar" os valores sobre os quais foi estabelecida toda a sua principal geração de lideranças.

Rahel Lehenbauer disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rahel Lehenbauer disse...

... conforme o exemplo acima, eu vejo que com o passar do anos, o ser humano tende a se acomodar sobre determinados valores e conservá-los, preservá-los.


Um dos problemas, então, é sobre que valores Deus estabeleceu a sua igreja?

São valores culturais de ordem estética como roupas, cabelos, carros, estilo de música, jeito de orar (com algumas repetições, em voz alta, em silêncio)?

São valores culturais de ordem político-ideológica como esquerda, direita, republicanos, democratas, estatizantes privatizantes?

São valores culturais teológicos como credos de confissões firmados sobre questões fundamentais da fé como a autoridade da Bíblia, a trindade, a natureza da fé e do ser humano, a ressurreição, a igreja - como comunhão dos salvos?

Quando os valores que conservamos são estes últimos, na minha opinião, passamos a aprender, pela liberdade que temos em Cristo, a conviver com a diversidade das outras duas classes de culturas mencionadas aqui (político-ideológica e estética) dentro de um mesmo grupo, e ainda outras tantas culturas. Pois o que cultivamos tem Jesus como base e não valores humanos caiados de branco.



Assim eu compreendo a questão colocada. E, por hora, é assim que eu respondo a pergunta: conservadores ou liberais?


Como aqueles que foram chamados para perseverar em Cristo, nós sentamos no meio dos ladrões e cobradores de impostos sem medo de ser rotulados de liberais, e oramos para que Deus preserve em nós a fé e o primeiro amor, sem medo de sermos taxados de conservadores. E que venham os rótulos! rs


.abraços.
.em Jesus.
.Rahel.