“Deus e religião são invenções dos homens para que a sociedade mantenha-se sob controle e as pessoas não saiam por aí matando umas às outras.” Disse-me certa vez, na adolescência, um amigo meu, em nossas divagações madrugada adentro em meio a tragadas de cigarro barato e doses de caipirinha e “cuba livre”.
Hoje fico a pensar que tal “invenção humana” não foi lá muito eficaz: a sociedade não está nada sob controle e as pessoas continuam se matando umas às outras (essa semana mesmo, uma vizinha minha de 24 anos e seu namorado morreram carbonizados em uma explosão no apartamento, que chocou o bairro e a cidade. Causa: provavelmente ciúmes).
Nesse contexto a igreja desenvolveu um termo “curinga”. Quando a canastra teológica do “poder e bondades divinas” não fecha bem com as cartas da realidade humana postas sobre a mesa, lança-se mão do curinga, avivamento: “Precisamos de um novo avivamento!”
Conheci um pastor que possuía em sua cadernetinha de sermões um esboço sobre avivamento, copiado de Charles Finney. Já perdi a conta de quantas vezes o vi pregar esse sermão na mesma ou em diferentes igrejas. No fundo era um curinga que ele possuía quando estava sem inspiração. O resultado é que o povo sempre dormia ouvindo aquelas palavras repetidas e vazias.
O mal está por aí e não há como negá-lo e em certa medida nem há mesmo como evitá-lo. A diferença talvez seja que antigamente havia mais esperança. Paul Tournier compara muito bem as épocas quanto diz:
“Os ‘livre-pensadores’ do início do século eram otimistas. Eles podiam rejeitar a Deus com um sorriso, porque eles tinham confiança no homem e pouca consciência de sua culpa. Hoje em dia, os ateus têm um sentido agudo de pecado, e são mais pessimistas sobre o homem que os calvinistas!”
Ateístas estão corretos em afirmar que o código moral fornecido pelas religiões não é nem evidência da existência de Deus e nem prova da utilidade daquelas. Aliás, essa é a lição do Éden: o conhecimento do bem e do mal não é o que nos leva à Vida, ele pode até nos tornar mais parecidos com Deus, transformando-nos em juízes cheios de conhecimento, mas ao mesmo tempo, nos afasta radicalmente do Deus de amor e graça.
Fala-se de total depravação do ser humano e da “natureza humana” como se fosse algo essencialmente maligno e nos esquecemos que Deus se fez homem! Ele mesmo nos lembrou que a própria escritura nos chama de deuses! O salmista exclama estupefato: “Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites? Pois pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste” (Sl 8:4,5). O mesmo espanto é visto nos lábios de Jó (7:17).
Então o bem está espalhado igualmente pela face da terra e me fez recordar outro grande amigo da infância e adolescência que um dia ao ver meu zelo evangélico de “novo convertido” me alertou: “Roger, no coração do bom homem há também um bom tesouro”.
10 comentários:
...é querido Roger, esse é uma boa reflexão. Simplificando e nos eximindo de culpas, diríamos num bom crentês: São os fins dos tempos !... mas todos sabemos que desde que o mundo é mundo e o homem caminha sobre ele essas coisas acontecem ....há maldade em nós e é preciso ser domada por nós . O mal é um virus que nunca morre, pode adormecer, mas nós, os que estamos em pé, devemos vigiar demais para que não venhamos a cair nas garras dele.
A saída ?... é mais simples do que a justificativa: Cristo e sua maravilhosa Graça.
bjkas
Meu pai vive dizendo que o mal cresceu no mundo. Acho que não. Foi o otimismo que diminuiu.
Roger, paz!
1 - O código moral cristão aponta para a existência de Deus e salienta a ímpar importância da "religião" cristã para a práxis humana;
2 - Falar de depravação humana é falar sobre o que é; exatamente por isso que o Deus que tabernaculou-se dela não se fez partícipe;
3 - As Escrituras falam da iniquidade multiplicando-se, mas nunca do bem...
4 - deuses?
É mais ou menos por aí que caminho...
Alice,
"final dos tempos" é outro bom curinga! Basta acontecer uma tragédia que lançamos mão dele.
A maravilhosa graça, como você bem salientou, é o que de fato nos exime de toda culpa.
beijos,
Roger
Rubinho,
talvez os dois Rubens tem razão. Ou não?!
Abraços,
Roger
Caro Zwinglio,
quando falo de deuses me refiro à passagem abaixo:
Jo 10:34,35 Respondeu-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Sois deuses? Pois, se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida (e a Escritura não pode ser anulada).
Em apocalípse 22:11 vejo que há a multiplicação tanto do bem quanto do mal: "Quem é injusto, faça injustiça ainda; e quem está sujo, suje-se ainda; e quem é justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja santificado ainda." Afinal de contas o Espírito Santo é derramado sobre toda carne, o que nos leva a pensar numa ação positiva. Além disso podemos ver o bem em várias facetas da vida no mundo a fora ser multiplicado.
Abraços,
Roger
OBS: A Ultimato confundiu o título do artigo...
Deprecação está em referência à total súplica por perdão à humanidade feita por Jesus na Cruz "perdoai-os porque não sabem o que fazem".
Ou seja o título é mesmo total deprecação e não total depreciação.
A depreação de Cristo anula a Depreciação.
Perdemos a ingenuidade isso sim, e não há "religião" que dê jeito nisso. Eu creio na Graça e seus efeitos. "O bem está espalhado pela face da terra..."
Foi ótimo ter vindo!
Um grande abraço
\o/
Roger,paz!
1 - É evidente que o Espírito Santo não é derramado sobre qualquer carne... a analogia da fé nos mostra isso com clareza...
2 - Sim... no texto joanino está escrito: "...vós sois deuses..." Mas o que significa esta designação... o que o amigo quis dizer com o uso dela?
3 - No texto de Apocalipse não há o estabelecimento de uma proporção númerica... a meu ver... o que há ali está não passa de uma constatação...
Mas, não quero gerar polêmicas... visito seu blog a uns dois meses e apenas agora resolvi dar meu PITACO...
Abraços!!
Oi Zwinglio,
só posso dizer que você faz bom jus a seu nome!!
Um polemicazinha é sempre boa, kein problem.
Abraços,
Roger
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