Qualquer estudo honesto sobre a história da igreja nos conduzirá à compreensão de que ela seguiu o ritmo da vida humana, marcada pela instabilidade. A fé que começou como heresia tornou-se religião dominante, elencou as heresias as quais deveria, por sua vez, combater e até mesmo puniu os seus hereges.
Alguns desses hereges tornar-se-iam santos, mártires e líderes de movimentos religiosos mais tarde reconhecidos e que também viriam a se institucionalizar.
Os hereges de outrora vieram a se tornar inquisidores posteriormente. Protestantes foram perseguidos e até mortos pelos católicos, no entanto quando da oportunidade de fazer diferente, não titubearam diante dos novos hereges, os anabatistas. Por questionarem o batismo protestante que ainda mantinha o rito também católico do batismo infantil, os anabatistas (sem batismo) morreram pelas mãos de seus irmãos.
Miguel Serveto, médico espanhol, que negara a divindade de Cristo foi condenado à morte sobre os auspícios de Calvino, já os camponeses germânicos foram mortos em seu surto de revolta pela autorização de Lutero. E assim foi se escrevendo a história da igreja.
Esse é nosso grande risco. O risco da ortodoxia. Temos percebido nestes dias uma premente necessidade de mudança de rumos, de transformações, de reavivamento no seio da igreja. Propor uma nova forma de agir e pensar poderá certamente ser taxada como heresia. Isso é previsível.
O não-previsível é o que podemos nos tornar após a consolidação das nossas “heresias”. Estabelecidos, com uma estrutura de pensamento formada, com nossas regras e costumes firmados, correremos o risco da inquisição legitimada pela ortodoxia. Se assim ocorreu no passado, é importante manter os olhos abertos para esta possibilidade.
Somos todos inclinados à elaboração de sistemas de idéias que nos dêem segurança. Nossas convicções nos mantém a tranqüilidade de percorrer a jornada prevendo percalços e, assim sendo, evitando-os previamente. A incerteza prevê apenas os possíveis vacilos de quem não tem um mapa nas mãos.
Ora, ninguém vive sem um corpo mínimo de pensamentos (doutrina) norteadores que nos facilitem a caminhada. Contudo, flexibilidade, amor e respeito pelos que não comungam das mesmas idéias nos viabilizará não apenas viver em harmonia com o outro, mas também repensar nossas crenças e, quem sabe, até mesmo reformular conceitos.
A vida é cheia de contingências, apresenta-nos o novo a cada dia, somos forjados pelo ambiente em que vivemos e pelos diversos fatores ditados pelas circunstâncias. Nossa fé precisa ser uma resposta atualizada aos anseios da vida. Qualquer resposta não adequada à realidade contemporânea será inócua.
Todo movimento está fadado ao engessamento. À semelhança da vida humana, que envelhece e perde suas articulações biológicas, nossas instituições também seguem o mesmo rumo. Ou entendemos isso ou nos capitularemos à tentação de imobilizar nossa fé, tornando-a inflexível e sem espontaneidade, portanto sem amor e nem liberdade. Pois onde há amor há liberdade, e onde há liberdade há espontaneidade, beleza e flexibilidade. Sigamos então as trilhas do amor!
Escrito por Beto do Visão Integral.
3 comentários:
Por essas e outras que me policio para me manter entre os dois extremos: entre o extremo da heresia total, e o outro extremo da ortodoxia total. Simplesmente porque a posição intermediária, é onde mais se aprende. Nos extremos, a pessoa geralmente já se julga detentora de todo o conhecimento, e quando debate sobre suas crenças, nunca leva, de verdade, em conta o que a outra parte pensa. Um extremista está perto demais do fanatismo.
Andrea, você tem razão!
Forte abraço!
O jeito é ser radical e medíocre. Ficar profundamente ao centro, não por ignorar os extremos, mas por considerá-los ambos seriamente.
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