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quinta-feira, 24 de junho de 2010

Santa rebeldia

Existe nos rebeldes uma beleza que fascina: sua coragem, perseverança, ou talvez o seu idealismo... "Vivemos em um mundo onde são dignos de aplausos, os rebeldes e não os submissos" - concordo com o autor da frase. Enquanto os rebeldes nos levam à euforia, os "caxias" e sua arrogância fazem nossos estômagos embrulharem. Por que é assim? Seria isso só nossa tendência pecaminosa? Seria absolutamente correto ao afirmar que "toda autoridade é constituída por Deus"?

"Noviça rebelde" é um filme lindo que conta a história de uma família austríaca na época do regime nazista. Embora o título original, The Sounds of Music não tenha nada a ver com nossa tradução, o tradutor foi feliz em expressar o caráter da irmã Maria, protagonista da história. Ela se rebela ao mesmo tempo, contra a autoridade do seu patrão (que acaba virando seu marido), quebrando assim seus votos rebela-se contra sua igreja e por fim rebela-se contra o governo e é tida como uma fora-da-lei pelo regime totalitário do terceiro Reich. Que exemplo! Para alguns, negativo para outros, inspirador.

Sugestivo também é o exemplo dos estudantes de Munique que se denominavam "Rosa Branca". Todos condenados à morte pelo regime nazista. Mesmo trágico destino teve também o pastor luterano Bonhöffer, pouco antes da capitulação alemã na segunda grande guerra. Sob a ótica nazista esses cristãos não passavam de rebeldes. E era isso mesmo que eles eram. (Será que não foi exatamente por isso que Deus deixou que fossem assassinados? – é o pensamento nefasto que deflora a cabeça de alguns). O legado destes santos homens entrou, todavia, para a história, provando para o mundo inteiro que nem a própria sociedade alemã se calou frente aos horrores diabólicos daquela época. O que houve sim foi um esforço ditatorial e cruel para que ela se calasse. Isto deixa óbvio que nem sempre autoridades são ministras do bem, por isso o capítulo 13 de Romanos precisa ser lido com cautela e não deve ser interpretado assim ao pé da letra, o que levaria a sérios erros e serviria para justificar abusos de poder.

De abusos para calarem rebeldes a história está cheia: "A vida do Outro", filme alemão premiado recentemente com Oscar, ilustra como foi esse jogo sujo no regime comunista da República Democrática Alemã.

Continuando na Alemanha, não poderíamos esquecer-nos dos reformadores, somente um povo tão "cabeça dura" como o alemão poderia produzir um Martinho Lutero! Graças as suas idéias rebeldes podemos comemorar, no dia 31 de outubro, 490 anos de Reforma – que, diga-se de passagem, não está nem na metade ainda, há muito que se reformar, lá e cá. Respondendo diretamente às perguntas que levantei, me atrevo a lançar outra ainda mais ousada: e Jesus? Seria ele também um revolucionário, um rebelde?

Se você entende que rebelião é o oposto de paz, então foi. Afinal ele mesmo disse: "Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada" (Mt 10.34). Essa quebra da ordem estabelecida começa dentro de nós, passando pelas famílias e atingindo toda sociedade. Não é à toa que autores como Stott e Wimber afirmam que estamos na "contra cultura" e que pisamos em território inimigo. Ele mesmo, Jesus, é quem afirma diante da autoridade de sua época que seu reino não é deste mundo, por isso foi morto, pois Ele também foi considerado uma ameaça (e era, e ainda é).

Se toda autoridade é realmente constituída por Deus, temos que entender que também, em sua soberania, constituiu também os rebeldes, que vez por outra até chegam ao poder - virando o jogo - às vezes até de forma democrática como foi o caso de Davi e do nosso atual presidente. (Não esqueçamos que nosso herói nacional, Tiradentes, foi um rebelde).
Para fechar este tratado em prol da rebeldia santa, tenho que citar o ícone revolucionário Che Guevara, quando se completa 40 anos de sua morte - não que eu seja de esquerda, nem de direita, muito antes pelo contrário (sou só mais um mineiro)! Para muitos, Che era um defensor dos menos favorecidos, um símbolo da resistência à expansão da influência do capitalismo e dos Estados Unidos no mundo. Mas outros afirmam que, ao optar pela luta armada, Guevara incitou violência e acabou se transformando em um fora-da-lei. Há, porém uma frase famosa deste médico corajoso e idealista que nos inspira em nossa conspiração a favor do Reino que já chegou, mas ainda está por vir: "hay que se endurecer, pero sin perder la ternura jamás”. Isso falta a nós cristãos modernos: dureza, coragem, idealismo e ternura... Menos submissão e uma boa dose santa de rebeldia.

Publicado originalmente em 2007 em www.fraternus.de e Ultimato Mural

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