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sexta-feira, 2 de julho de 2010

O perdedor

Perdeu o jogo. Perdeu o emprego. Perdeu os amigos. Perdeu a família. Perdeu a casa, a saúde, a paz, a razão. Perdeu a vida, a alma - não necessariamente nessa ordem e não necessariamente todos itens da lista.

O cara é um perdedor.

Conheci dois que, a bem da verdade, conseguiram perder tudo. E conheço um que, com muito pesar, está a ponto dessa façanha também. Fico completamente arrasado porque sei que a cada falência, a cada derrota, a cada fracasso desses amigos, o meu próprio é desnudado e denunciado.

Já perdi muitos jogos, campeonatos, empregos, amigos, familiares, casas, saúde, razão, vida, alma. Se não consigo admitir meu fracasso tenho pelo menos um mínimo de sensatez restante para reconhecer a farsa que é minha vitória.

Você investe tempo, saliva, ouvido, grana, sangue e suor… jejua e faz até calos nos joelhos, tudo em vão, para terminar vendo o camarada cavando a própria sepultura.

Um deles, chamarei de Dida, pastoreava uma igreja de brasileiros na Europa, uma família bonita e equilibrada. Quando conheci Dida, já haviam pedido educadamente para ele deixar a liderança da igreja. Ele fez uma dívida impagável. Sonhava com negócios milionários. Um dia a mulher trancou ele fora de casa – não aguentou mais as paranóias megalomaníacas. Ela sozinha, com seus bicos, sustentava a família de 4 adolescentes. Dida voltou uma ou duas vezes, até que um dia a casa caiu. Ele voltou pro Brasil, sumiu no mapa…

Se Dida tivesse dobrado seu orgulho, colocado os pés no chão, e admitido sua falência e fracasso, teria dado a volta por cima. Mas isso foi pedir demais para ele. Com seus 40 anos na época, ainda bem relacionado na sociedade, poderia ter pegado um trabalhinho qualquer que lhe garantisse o mínimo de dignidade. Mas Dida queria ficar milionário da noite pro dia. Quis ganhar o mundo, acabou perdendo a alma, a alegria e o sabor de viver.

O outro, uma história não menos trágica, chamarei de Marcelo. Esse bem mais novo. Quando o conheci tinha a vida bem encaminhada. É verdade que seu background familiar não o ajudava, sua saúde também era frágil, mas ele estava de pé. Trabalho, moradia, estudos, amigos, tinha futuro. Marceolo resolveu sair da república onde morava, deixou o trabalho, acumulou dívidas. Depois não parava mais em nenhum emprego. Sua saúde debilitou-se. Foi internado algumas vezes. Não seguia os tratamentos. A última vez que o vi tinha atravessado dois países da Europa como andarilho, não falava mais coisa com coisa, estava a busca de um violão para tocar na praça da cidade e levantar umas esmolas.

Amanhã tenho que conversar com um amigo. O que está na tábua da berada. A idéia seria ouví-lo. Dificilmente ele percebe que jogar o emprego pela janela com mais de 40 (nesse mundo capitalista) é comprar uma passagem para o inferno. Nosso patrão já decidiu demití-lo, mas haveria ainda uma esperança... Se o cara dobrasse o orgulho, admitisse o alcoolismo, pedisse ajuda, ao invés de achar que está tudo sob controle. Se ele conseguisse fazer a curva eu também não sairia perdendo. Se…

Um comentário:

O Tempo Passa disse...

Às vezes penso que ser amigo nessas horas é mais difícil do que ser o próprio perdedor. Não dá pra salvar o cara, se ele mesmo não quer ser salvo, e não dá pra dar as costas, simplesmente. Afinal, amigo é pra essas horas... mas dói demais!