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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Nunca se viu

Estava outro dia me lembrando de coisas, das quais nunca ouvi falar, nunca senti ou experimentei. Fiquei terrivelmente perturbado com elas, pois eram coisas belas e sérias.

Lembrei-me da cela gelada e húmida, na antiga União Soviética, onde o avô de minha esposa ficou preso após a segunda grande guerra, sustentado somente com pão e água. Lembrei-me do sabor do pão e do frescor da água. Lembrei-me dos gritos, dos choros e do som pesado dos passos do carcereiro.

Lembrei-me de Antônia, a negra que várias vezes, ainda quando bebê, alimentou-me, e embalou-me em seu colo, e que após séculos reencontrei no velório de mamãe, com seu mesmo rosto redondo e meigo e com sua netinha mais meiga ainda. Lembrei-me de Doinha, a negra que cuidou de mamãe, e da outra que cuidou de vovó em uma fazenda de café nos arredores de Ponte Nova. Lembrei-me da crueldade com a qual elas foram tratadas por gente de cor branca, e lembrei-me de outras que as trataram com amor e respeito, salvando-lhes a pele diante daquelas outras.

Escutei as bombas que nunca vi cair sobre Munique, vi os olhos de crianças assustadas nos bunkers e porões da Bavária, abraçadas aos seios de uma tia, avó ou mãe.

Escutei suas orações. De todos esses.

Lembrei-me da forma maravilhosa que todas foram respondidas.

Apesar de nunca ter visto, ou ouvido ou experimentado tais acontecimentos, suas lembranças, porém, residem meu passado cognitivo e me fizeram olhar o futuro com mais esperança e mais garra. Até que uma lágrima tocou o chão e o ódio atropelou mais uma vítima inocente.

Daí em diante não lembrei-me de mais nada.

Um comentário:

Anônimo disse...

Roger, cada vez mais profundo, mais bonito. E as lagrimas continuam a rolar...
Denise

P.S. Ainda nao descobri como comentar com meu perfil.