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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A escandalosa História das Ideias Circulares

Era uma vez dois teólogos cabeças duras.

Amigos de seminário, Antônio dos Reis e Marcelo Antonione terminaram juntos o curso de teologia. Possuíam contudo inclinações opostas: um era adepto incondicional da total soberania de Deus - no fundo ele acreditava inconscientemente no destino - já o outro, fascinava-lhe a liberdade humana – haveria de haver uma escolha que só a ele cabia.

Apesar do extremismo refletido das visões de mundo das escolas teológicas que adotaram, ainda uma outra coisa lhes restava em comum, criam (por via das dúvidas) na máxima de São Vicente de Paula que rezava: confiar como se tudo dependesse de Deus e agir como se tudo dependesse do homem.

Aquela romântica amizade teve porém um triste fim, quando em posse dos diplomas começaram a disputar a mesma vaga – se por força do destino ou por escolhas próprias, não se sabe - em uma famosa igreja na mesma comarca, paróquia, região ou seja lá como se chama isso.

Cada um, sabendo da competência do colega e prevendo-se (ou não querendo-se) perdedor, resolveu entregar os pontos, seguir seu próprio caminho (ou destino) e partir em busca de maior ambição acadêmica, um mestrado no exterior.

Antônio, buscando incessantemente a vontade de Deus, e recebendo confirmação sobrenatural, incontestável e inquestionavelmente subjetiva da tal, partiu para os USA onde em algum lugar do Arkansas desenvolveu sua tese sobre “a Soberania de Deus num mundo pós-moderno”.

Convicto de que aquela era a vontade de Deus para sua vida, comeu o pão que o Diabo amaçou: lavou privadas de igrejas, fez trabalhos noturnos em linhas de produção recebendo um salário miserável, morou em um pequeno quartinho que seria devastado por um furacão. Naquela ocasião, não somente perdeu tudo o que tinha (e o que não tinha – pois não lhe pertencia) como ficou hospitalizado em função de ferimentos graves. Contraiu dívidas impagáveis. Por pouco não morreu e por pouco não desviou-se da fé. Mas todos que o conheceram podiam perceber que Antônio já não era mais a mesma pessoa.

Ele ficara estranho…

Estranho ele já havia se tornado, há certo tempo, para o ex-amigo Marcelo, o qual por sua vez seguiu seu caminho rumo a Alemanha. Nem tanto se importando se essa era, ou não, a vontade Deus, o cara sabia sim, que esse era seu sonho.

Conseguiu uma bolsa de estudos oferecida pelo sínodo ecumênico de igrejas luteranas e católicas e começou a trabalhar em sua tese sobre “a liberdade humana em um mundo pós-moderno”. Morou em república mista e quis conhecer Amsterdam, onde a título experimental, provou drogas e sexo em várias dosagens e tipos. Este lhe cativou por alguns anos e aquelas, logo de início, não lhe entusiasmaram muito. Após uma crise de depressão e uma profunda ressaca existencial, bem decepcionado com a vida e com o mundo, defendeu sua tese e foi aprovado. Convidaram-no para dar aulas em um seminário de uma missão coreana em Hiroshima, Japão. Aceitou.

Nos Estados Unidos, após recuperar-se e ficar novamente bom de saúde, Antônio quis levar suas convicções de fé até as últimas consequências. Conseguiu terminar (milagrosamente) sua pós. Tendo em vista que a América estava infestada de cristãos para todos os tipos e gostos, sentiu-se chamado a pregar a Palavra em lugares “onde Cristo ainda não havia sido anunciado”. Achou então, após breve pesquisa, uma vaga num seminário em Hiroshima. Depois de uma bateria de exames, foi aprovado. Assinou o contrato (que incluía os custos de viagem) partiu para o Japão.

Marcelo e Antônio se encontram, novamente nos corredores do mesmo seminário, agora do outro lado do mundo. Se abraçaram e beijaram-se saudosamente

Foram conhecer a noite daquela estranha cidade.

Dentre um trago ou outro de sake, num bar de karaoke, confessaram-se enfraquecidos em seus sonhos da juventude. No fundo ambos já não estavam certos se Deus de fato existia, ou se tudo não passava de uma louca e grande invenção. Ouviram assim com certa inveja e entusiasmo a experiência adversa do colega. Por um lado os fracassos alheios confirmavam suas crenças e por outro apontavam a solução para suas próprias frustrações. Ambos estavam porém determinados em seguir adiante em seu fanatismo básico e original. De certa forma confiavam firmemente que o Reino de Deus haveria de ser conquistado a força, mas cada um sabia aceitar seu próprio carma, imposto pelas forças divinas.

Não demorou muito tempo para que os dois amigos novamente se separassem. Uma conversa aqui, um email ali, uma série de telefonemas e Antônio partia para Alemanha para um Doutorado na Universidade de Tübinger. Marcelo por sua vez foi evidentemente parar no Arkansas – para o mesmo algum lugar onde seu amigo estudara.

Segundo me contaram, na América, Marcelo teve uma conversão de verdade, embora ele mesmo afirme que nada mudara em suas convicções. O fato é que o cara começou a explicar sua jornada, inclusive o lado negro dela, como se fosse uma espécie de plano divino. Havia um livramento de uma overdose, de uma AIDS, e um objetivo oculto que o guiara para o ponto preciso que agora se encontrava, o qual era o máximo de sua experiência de fé e relacionamento com Deus.

Marcelo se sentia bem com Deus, começou a fazer sacrifícios, mas sentia-se seguro. Nuca ganhou tantas pessoas para Cristo (especialmente americanos que haviam se desviado da fé na adolescência). Alguns lhe sustentavam financeiramente (mas boa parte do dinheiro ele doava para missões pelo mundo a fora). Ele terminou seu doutorado e decidiu voltar para o Brasil.

Na Alemanha, Antônio resolveu, por si só experimentar um pouco do que seu amigo lhe contara. Passeou pelas estações de metrô e falou de Deus para drogados, se drogando com eles. Não ganhou ninguém para Cristo – não, pelo menos, da maneira que imaginava. Mas fez com um rapaz dopado uma “oração de entrega”, no dia seguinte ficou sabendo que ele tinha morrido de overdose.

Um dia foi convidado para uma feira de artigos pornográficos. Descobriu que os principais “artigos” eram naturalmente os corpos de homens e mulheres. Chegou a ir a um bar no final da noite, onde rolaria uma orgia. No meio de um som estridente abraçou-se com uma certa mistura de compaixão e lascívia numa garota nua e gritou no ouvido dela, “Jesus loves you”. A menina não entendendo nada respondeu, “I love you too”. Antônio saiu chorando daquele lugar, e chorou várias noites seguidas. Não deixou de se drogar, ou no mínimo encher a cara.

Assim que o baque daquelas experiências passaram Antônio decidiu que ajudaria no resgate daquelas almas. Buscou na internet e não demorou muito descobriu na própria Universidade de Tübinger um grupo de missão urbana, que fazia intercâmbio com outras cidades e igrejas da Região. Trabalhou um logo período ajudando aquelas pessoas, as quais jamais pisariam o chão de uma igreja. Ele terminou seu doutorado e decidiu voltar para o Brasil.

De volta para o Brasil, Antônio e Marcelo se encontraram novamente nos corredores do mesmo seminário. Se abraçaram e beijaram-se saudosamente.

Era uma vez dois teólogos cabeça dura…

3 comentários:

Djalmir disse...

Bem pensado, Roger.

Tuco disse...

É. O mundo dá voltas.
:)

Eduardo Medeiros disse...

excelente, roger!!