Às vezes pensamos que, ou foi de má fé, ou foi burrice; e não vemos que foram ambas; quando alguns conservadores aparecem, por aí, com uns argumentos frágeis demais da conta. No caso contra a votação do STF.
Um deles é querer apelar para a coerência do STF: “então, já que não é o mérito que conta, que se faça cotas para as cadeiras do STF!”
Como uma idéia dessa é tão fraca, torna-se difícil tocá-la sem que ela se esfarele em nossas mãos. Mas tentemos:
O mérito vocacional ou profissional, como sabemos, não vem só no DNA, mas é algo extremamente ligado à rede de conexões do indivíduo e não poucas vezes da família e grupo social (e isso sem mencionarmos o ponto óbvio, em questão, que é uma justa e digna formação acadêmica).
Possibilitemos ao maior número possível daqueles que foram por séculos discriminados a chance de adquirirem esse mérito. Esse dano não será reparado, logo, demorará gerações. Mas com decisões como essa chegaremos lá. Teremos um Supremo mais representativo possível.
Outro argumento estranho é dizer que as cotas beneficiam uns em detrimento de outros…
É verdade - admitamos.
A única alternativa para contornarmos tal incômodo seria então criar vagas extras nas universidades públicas, para que os brancos não percam as suas. Como se sabe, os cofres públicos (que estão nas mãos de brancos) não comportariam isso. Contudo ninguém paga uma dívida sem doer no próprio bolso!
Então a medida é mais uma vez acertada.
O problema é que a direita já pensa burramente, de má fé.
10 comentários:
Roger,
Eu lhe confesso que discordo de tal forma de seu texto que não sei nem por onde começar...
Talvez pelo final, com um paradoxo para você resolver: eu sou de direita (conservador, não-esquerdista), e não penso que seja burro nem que use de má-fé. Como sair dessa?
Dou-lhe alguns argumentos quanto às cotas:
1) Se raças humanas não existem - e não existem mesmo -, todo critério de diferenciação estará errado na origem;
2) Se a maioria dos pobres é negra, preta, parda ou mestiça, para incluir esses grupos bastaria criar cotas sócio-econômicas (sou contra todo tipo de cotas, mas uso o argumento como forma de demonstrar o absurdo de cotas raciais);
3) Para essa geração de pobres que não consegue acessar a universidade pelo mérito, o Estado tem a obrigação de conceder cursos pré-vestibulares gratuitos;
4) A autodeclaração e os tribunais raciais são arbitrários e estranhos à ciência, ao bom senso, à lógica;
5) A Constituição consagra a proibição de diferenciar pessoas pela cor, ainda que o STF passe por cima disso!!!
6) Está demonstrado que onde existe cotas se cria uma elite "negra", e que as cotas não resolvem o problema;
7) Há uma quantidade enorme de pessoas excluídas. O que as cotas irão fazer com essas pessoas, brancas, negras ou seja lá de que cor forem?
8) Dos milhares de genes do genoma humano, uma pequeníssima quantidade decide a cor da pele e outros aspectos físicos;
9) De acordo com o arranjo dos genes, filhos dos mesmos pais podem ser muito diferentes entre si;
10) É EXTREMAMENTE INJUSTO que os de pele clara paguem pelos de pele clara do passado.
Pense em tudo isso. E mais: lembre-se de que foram outros negros que lá na África venderam seus irmãos para serem escravizados. Sou culpado também por isso???
As cotas raciais existem porque a sociedade julga pela cor da pele sim. Para um não-negro, este assunto é desconhecido. Por isso, muitos insistem em dizer que isso não resolveria nada.
Mas racismo é uma palavra estranha até que um dia você sofra na pele o seu significado. Fácil falar daquilo que nunca sofreu. Ou seja, o problema é do outro que sofre racismo. Não tenho nada a ver com isso.
Só que ocupamos apenas duas posições nesta história toda: ignorar a injustiça, achando que não se tem nada a ver com isso, legitimando assim atos injustos; ou transformar uma realidade de injustiça, perseguindo qualquer possibilidade de ver a justiça brilhar para os que sofrem de tal injustiça.
Ocupamos então posições de poder. Para quê? Para legitimar ou transformar injustiças?
Obter um lugar em uma universidade com cotas ou sem elas é considerado importante, assim como a obtenção do certificado correspondente. Ninguém quer pensar em nada diferente. Não foi o caso de Van Gogh, Bach, Mozart, Galileu, Pelé, Garrincha, Maradona, Michael Jordan, Bill Gates, Steve Jobs e muitos outros que venceram sem essa etapa "obrigatória" de vida, independente da cor da pele ou da opção sexual. Se desejássemos igualdade de verdade, não participaríamos disso até que todos tivessem direito a um curso universitário sem filtros como ENEM, Vestibular ou qualquer outro. Mas a grande verdade é que ninguém sabe quem deu a essas instituições o monopólio do diploma e as vitimas dessas imposições somos todos nós, independente de nossas origens.
Roger, meu amigo, perfeito.
E digo mais: conceder vagas em universidades a negros e índios é ESMOLA perto do que foi feito com eles: tiramos os caras(e suas famílias) de suas casas, de sua terra natal, e os obrigamos a trabalhar pra nós. Foram, por baixo, 300 anos desse jeito. Um reparo se faz urgente na sociedade. E, nesse sentido, as cotas caem muito bem.
Roger,
Quanto ao que disse o Felipe Fanuel, os argumentos dele são muito fracos, e explico por quê, reproduzindo algumas de suas afirmações e comentando em seguida:
"As cotas raciais existem porque a sociedade julga pela cor da pele sim": Em que situação uma pessoa de cor negra deixa de entrar na universidade por causa da cor? Ela é barrada na porta da sala do vestibular? Ela deixa de ser matriculada na escola por ser negra?
"Para um não-negro, este assunto é desconhecido. Por isso, muitos insistem em dizer que isso não resolveria nada": Ora, se isso fosse verdade, por que muitos negros e movimentos negros são contra as cotas raciais??? Seriam eles "negros de alma branca", no dizer do já processado Paulo Henrique Amorim?
"Mas racismo é uma palavra estranha até que um dia você sofra na pele o seu significado. Fácil falar daquilo que nunca sofreu. Ou seja, o problema é do outro que sofre racismo. Não tenho nada a ver com isso": tal argumento significa que somente quem sofreu preconceito racial teria legitimidade para discutir cotas raciais, o que resultaria em terrível violação ao princípio democrático.
"Só que ocupamos apenas duas posições nesta história toda: ignorar a injustiça, achando que não se tem nada a ver com isso, legitimando assim atos injustos; ou transformar uma realidade de injustiça, perseguindo qualquer possibilidade de ver a justiça brilhar para os que sofrem de tal injustiça": com isso, ele afirma que pessoas como eu defendem injustiças, pois limita o combate às injustiças sociais à problemática da cor, quando, na verdade, a questão é SOCIAL.
Não se nega que exista preconceito no Brasil. Existe em todo lugar. O que eu digo com todas as letras é que cotas raciais são discriminatórias, porque decorrem do conceito errôneo de raça, e porque não se deve penalizar o "branco" de hoje por erros do passado.
Embora esses argumentos sejam lógicos, sei que a ideologia racialista dificulta o seu entendimento.
Caro amigo Alex,
tem adotado a prática de não responder comentários. Algo que aprendi com nosso amigo Rubinho.
Como diria o Pequeno Príncipe o falar é a fonte dos desentendimentos.
Veja bem quando xinguei a direita, e pensava numa direita a lá ditadura de 64, em violação dos direitos humanos e coisas que as esquerdas também sabem fazer muito bem, jamais pensava em te atingir ou qualquer pessoa em particular. Não leve a coisa para o lado pessoal, e pelo tom de seus comentários parece-me que você não levou mesmo.
Exclarecido isso vamos aos pontos que você levantou. Mas não creio que uma discução como essa trará luz para algum lado...
Como eu ia dizendo não creio que esse tipo de debate chegue a algum consenso. Pelo contrário ele tende a afastar-nos em nossas já polarizadas idéias. Você, indivíduo adulto e com sua opinião formada. Já leu, releu, pensou e repensou suas convicções, não irá assim mediante a troca de algumas linhas virtuais mudá-la. E o mesmo se repete pra mim.
Mas deixemos registrados nossos pontos de vistas…
Seguirei seus pontos e tentarei ir conectando-os àquilo que o Felipe disse:
1) As raças humanas não existem; 4) A autodeclaração não é lógica; 8) Genética não decide a cor da pele; e 9) Filhos dos mesmos pais podem ser muito diferentes entre si;
– Concordo. É como tentar dizer que Obama é negro ou branco. Afinal ele é uma mistura. Certamente encontraremos casos dificílimos de se definir.
Mas o Felipe lembra bem a tempo: "A sociedade julga pela cor da pele sim":
E esse é o fato! Independente da quantidade de pigmento, da forma do nariz ou dos beiços ou o tanto que os cabelos são lisos ou crespos, a sociedade branca (que é a minoria dominante) irá impor, e impõe, suas barreiras.
Em que situação?
São variadas. Aqui na Alemanha não existe mais nazismo, mas já deixaram de alugar um imóvel pra mim assim que souberam que eu era estrangeiro… Você não entra na justiça por causa disto, você procura outro imóvel, mas a chateação fica, e o imóvel e passado para um alemão de nascença.
A principal barreira imposta hoje, creio, são as razões históricas. Como estrutura dessas, uma desigualdade social dessas, tão extremas como a brasileira, ninguém precisaria de um apartheid…
2) Se a maioria dos pobres é negra, preta, parda ou mestiça, para incluir esses grupos bastaria criar cotas sócio-econômicas (sou contra todo tipo de cotas, mas uso o argumento como forma de demonstrar o absurdo de cotas raciais);
Exatamente! Seria e é necessário. Seu erro se encontra na palavrinha “bastaria” como se isso fosse algo muito simples. Deveria ser menos complicado, e parece que foi no caso das universidades pois a votação foi unânime no STF, mas será que toda vez teria que ir para um Supremo?
3) Cursos pré-vestibulares gratuitos;
Esse é um outro tema, mas eu tenho horror a cursos pré-vestibulares… acho um atestado de falência ao ensino médio, ou ao sistema de admissão universitária, no caso, o vestibular.
5) A Constituição consagra a proibição de diferenciar pessoas pela cor, ainda que o STF passe por cima disso!!!
Entendo. Mas no caso o espírito da lei está para que não haja discriminação negativa. Nada impede que se diferencie no intento de reparar um erro do passado que foi baseado na cor da pele (ou origem étnica).
6) Elite "negra";
O Felipe ressaltou: "Muitos insistem em dizer que isso não resolveria nada".
E você argumentou:
Por que muitos negros e movimentos negros são contra as cotas raciais?
Estudos tem que ser levados em conta. Mas não podem ter a palavra final, mesmo porque todos são questionáveis: quem fez, porque fez, a mando de quem, etc, etc, etc…
7) Há uma quantidade enorme de pessoas excluídas.
Se entendi bem as cotas não visam resolver as desgraças discriminatórias do Brasil que são escandalosas e aos milhares. Mas já é um avanço.
as cotas não visam resolver as desgraças discriminatórias do Brasil que são escandalosas e aos milhares. Mas já é um avanço.
10) É EXTREMAMENTE INJUSTO que os de pele clara paguem pelos de pele clara do passado.
Pensemos que um filho de brancos (como você ou eu) fique no pé da lista dos aprovados e venha um filho de mestiço e entre na universidade com uma pontuação menor pois ainda o percentual de cotas não foi preenchido.
No que isso implicou? Quem está sendo penalizado por erros do passado o "branco" ou o negro ou mestiço de hoje? Quem teve desde o ventre materno melhores chances e oportunidades? Quem teve acesso a melhor alimentação, melhor pré-escola, estudo primário, e médio? Quem teve o convívio social que o motivou e ao mesmo tempo nutriu seus conhecimentos?
Claro que o problema é SOCIAL, ele é sócio-econômico!
A ideologia racialista, ou seja lá como você queira entender isso, foi nos imposta no passado pela dominação branco portuguesa. Em outras palavras, a etnia branco européia, veio e massacrou índios que já se massacravam entre si. Veio e massacrou negros que já se massacravam entre si. (Veja bem, não quero dizer que não brancos sejam santos). Mas os brancos europeus saíram como dominadores, tomaram a terra dos índios e traficaram e desterraram os negros.
Toda sociedade brasileira hoje colhe os frutos dessas injustiças.
O sistema de cotas, na verdade é uma piada, frente a tudo aquilo que deveria ainda ser feito.
Roger,
Se formos aprofundar, essa discussão será infinita. Mas eu mantenho meu posicionamento "in totum". Apenas lhe digo algumas coisas:
Você esqueceu dos brancos que não são descendentes dos portugueses colonizadores, mas de imigrantes pobres da Itália, por exemplo, que vieram trabalhar nos cafezais paulistas. E esqueceu dos não-negros e não-brancos, como os japoneses. Você sabia que os japoneses eram pobres quando vieram ao Brasil? Você sabia que os antepassados de minha esposa (que é de origem japonesa) foram discriminados aqui? Você sabia que eles eram considerados cidadãos de segunda categoria? Você sabia que japonês era chamado de "quinta coluna" e "comedor de arroz"? Você sabia que a família de minha esposa morava em casas de taipa? Você sabia que minha esposa estudou em escolas de lata em São Paulo? Você sabia que parte dos tios de minha esposa trabalhava para que a outra parte estudasse?
Não se deve dividir o Brasil em negros oprimidos e brancos opressores. Esse simplismo só favorece a um grupo político que usa tal plataforma eleitoral, assim como a certas ONG´s que recebem dinheiro público. Veja que eu tenho pele clara mas sou de origem pobre. Meu povo é do Piauí. Tenho parentes brancos de cabelos e olhos claros, e nunca fomos ricos. Tivemos de estudar e trabalhar. Quem fará a justiça histórica em relação a nós e aos filhos dos japonese? Percebe que estaremos pagando pelos erros dos outros? Percebe que seremos duplamente penalizados? Será tão difícil entender isso?
Amigo, Alex, só posso afirmar que seu depoimento é válido, sim.
Penso, contudo, que as proporções e as estatísticas são irritantemente desfavoráveis para nossos irmãos mestiços.
O que sei de sua família é o que você escreveu no blog, a ligação com Fukushima.
Abrçs!
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