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terça-feira, 16 de setembro de 2014

Insônia

O menino observava os dedos velozes do pai tocando freneticamente as teclas da velha Olivetti. As letras de metal feriam uma gasta fita rubro negra. Uma alavanca era puxada pelo pai fazendo com que o papel deslizasse por um rolo preto.

Embalada por aquele toque rítmico a criança tentava dormir.

As luzes se apagam.

Ouve-se o silêncio… Mas não por muito tempo.

Logo faz-se notar o tic-tac de um relógio, que por travessura ou simples mal gosto foi posto pelo relojoeiro no meio de uma frigideira de cobre.

Na medida que a noite avançava o silêncio se tornava mais profundo e o barulho do relógio mais agonizante.

Àquela torturante monotonia adicionava-se por tempo cadenciado o estalo de um relé de uma geladeira seguida da zoeira de seu motor e novo estalo e de novo o silêncio. Dessa vez surdo e absoluto.

A criança observava no teto do quarto, onde travava sua luta com Morfeu, as luzes dos carros que, em intervalos cada vez mais longos, passeavam pela noite a fora.

Vez por outra despontava o som estridente de uma motocicleta ou de uma sirene de ambulância que tentavam chamar a atenção.

Enfim, quando tudo parecia aquietar-se era o cachorro que disparava a latir por causa do gato que subia no telhado para mais uma aventura amorosa. Ou será que era algum ladrão?

O menino observava aflito as sombras que se seguiam na janela, talvez era do ladrão, talvez de algum outro ser ameaçador.

Juntando todo resto de coragem que lhe sobrara, sobrepunha o imensurável medo e se dispunha na insana aventura de atravessar copa, sala e corredor para ir até os aposentos onde dormiam seus pais. Tudo deveria ser feito cautelosa e sorrateiramente. O coração já aumentara o ritmo. A adrenalina expulsara toda dose de cansaço que tentava ainda se impor.

Após checagem minuciosas um e outro aposento era vencido. Até o momento fatal que era bater na porta e esperar a autorização para adentrar a base aliada mais próxima, o quartel general, o quarto dos pais.

Toc toc toc,..

- Estou sem sono…

- Entra meu filho.

Agora novamente seguro. Bem ajustado no meiozinho do aconchego do papai e da mamãe perdia em frações de segundo aquela fatídica batalha.

Morfeu triunfante se retirava na noite com o garoto em seus braços.

3 comentários:

Tuco disse...

Legal. Lembrei da fase que eu cantava as musiquinhas do Palavra Cantada pros meus filhos no meio da noite escura e assustadora.

https://www.youtube.com/watch?v=ekqCx045aZ4

Professor Augusto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Denise disse...

Amei Roger! Levou-me diretamente a casa da Celia de Souza, a nossa infancia, ao aconchego do colo do pai, as memorias mais doces da minha infancia! Que delicia de texto! Mas eu so via as luzes do carro no teto no apartamento da Vovo Nena, na Rua da Bahia.. Beijos saudosos no Rogerio criança...