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sábado, 6 de dezembro de 2014

A Bíblia que Jesus não lia

Essa é a história de um rompimento, de uma desilusão, de um abandono.

Quando uma porta se fecha para não mais se abrir, sobra-lhe a janela como alternativa de escape.

É um rompimento, pois vivi incontáveis anos nessa crença.

É uma desilusão, pois percebi que algo estava errado por trás disso tudo.

É um abandono, pois muita coisa fica irremediavelmente pra trás.

A pergunta não é, se “a Bíblia é a única regra de fé e prática”; nem a pergunta seria, se a Bíblia se quer uma regra de fé e prática é.

Estamos aqui para responder acima de tudo a pergunta, se precisamos ou não, desesperadamente, de qualquer regra de fé e prática que seja.

Esse questionamento te remessará a uma viagem longa e interminável que eu, por razões meramente práticas, tratarei de encurtar.

Uma regra é nada mais, nada menos, que uma lei. Uma lei disfarçada, uma lei moderada, mas uma lei.

Pois bem, muito do trabalho de Jesus aqui nessa terra se concentrou no esforço de transportar um povo escolhido, seus escolhidos, do paradigma da lei, para o paradigma da graça.

Os escritos que Jesus tinha em sua santa biblioteca lhe ensinaram ser Ele mesmo o cumprimento dos tais. Jesus sabia estar ali para inaugurar um Reino de Graça, um reino baseado não na pequenez da letra, mas na força do Espírito.

Como bom Rabi e mestre que foi, Jesus soube majestosamente transferir para seus discípulos não um conjunto de regras e escritos que Ele mesmo jamais leu, mas Ele, como que em uma osmose, repassou Vida. Ele fez uma transfusão de si mesmo, o corpo e o sangue que nos alimenta.

Os seus memoráveis ensinos e parábolas sobre o Reino de Deus atingiam pedagógica e acertadamente a demanda do ser humano por vida. Vida eterna. Vida em abundância.

Jesus não falava de um novo sistema filosófico. Ele não inaugurou uma nova ciência. Ele não fundou uma ordem religiosa. Nada que necessitasse ser regrado.

A fé de Jesus, que vem pelo ouvir, que vem da pregação, é uma fé que não cabe em hermenêuticas pré-estabelecidas, seja pela tradição, seja por um famoso seminário ou faculdade teológica, ou seja pelo pregador do próximo domingo.

Permitam-me a franqueza, se a fé do Nazareno não fosse uma fé desregrada, ela seria inferior às tábuas da lei. Se a prática pautada essencial e primordialmente pelo amor ao próximo não fosse uma prática desregrada, ela seria mais brutal que o apedrejamento de uma prostituta.

O ar que a janela nos ventila é um convite para o mundo lá fora. Para uma realidade além das quatro paredes. Aponta para o céus.

O abandono de nosso mundinho regrado por nossas próprias conveniências, dourado e bordado com versículos bíblicos é custoso, mas necessário.

O seguro e sólido chão de nossas ilusões biblicamente fundamentadas é mais arriscado do que o arriscado sopro inovador do Espírito.

Somente através da história desse nosso rompimento é que, justamente, alcançamos o rompimento de nossa própria história.

(Foi pensando em uma resposta razoável a meu amigo Lissânder da Ultimato que tratei de rabiscar essa meditação. Ele aconselhou-me a cortar de uma de minhas “palavra do leitor” a afirmativa de que “a Bíblia não era uma regra de fé”. Ele ponderou que eu negava algo tão valioso para a tradição evangélica sem sequer apresentar uma argumentação mais abrangente. Justamente a essa tarefa me dediquei aqui e agora).

Um comentário:

O Tempo Passa disse...

Tens minha total e completa solidariedade!!!!!!