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quarta-feira, 22 de abril de 2009

Bach pra Jeronimo e Orquestra | Argumentos pra existência nossa


"Não são os anjos que cantam, não são os pássaros nem o mar,
é um senhor cheio de céu: o senhor João Sebastião
Faz muitíssimos invernos que, choramingando em alemão,
nasceu entre breves e corcheias o senhor João Sebastião
Era menino e as canções que ensinava-lhe seu papai
as repetia para sempre o senhor João Sebastião
Era gordinho e com peruca, indispensável como o pão
e carrancudo com freqüência, o senhor João Sebastião
sonhando em órgão e clavei, a seu país angelicão
levava a príncipes e a pobres o senhor João Sebastião
Está a contar-nous um conto que não terminará jamais.
Deus ditava-lhe o argumento ao senhor João Sebastião."



Deus ditava-lhe o argumento –diz María Elena Walsh- ao senhor João Sebastião. Com ela e através dela apresentei-lhe a meu sobrinho Jeronimo a maravilhosa existência de Bach e sua música. Desenhei-lhe as notas breves e as corcheias entre as que nasceu choramingando em alemão. Desenhei-lhe a peruca branca, os sapatos de casa, um candelabro e um lampadário. Desenhei-lhe também os príncipes e os pobres que ouviam em órgão e em clavicórdio os contos intermináveis do senhor João Sebastião.

Não interessou-lhe a palavra “ditado”, e se dedicou a colorir “ao senhor João Sebastião carrancudo e cheio de céu”: O primeiro que pintou-lhe a Bach foram as mãos. Jeronimo está muito apaixonado do piano e de todas as mãos que saibam tocar-o.

Aos quatro anos já entende a palavra Deus, mas não a palavra “argumento”. No entanto, a diferença de quem têm mais de vinte anos, ele está muito interessado em aprender que significa. Eu fiz como se explicasse-lhe. Enchi-lhe a folha de desenhos contando-lhe o que pudesse ser um argumento. E contei-lhe que a ele mais vale-lhe ter muitos argumentos.

-¿Muitos? -pergunta-me.
–Sim, -respondo-lhe eu- muitos. muitos. Um melhor que outro, mas muitos.
Porque sem argumentos (eu penso sem falar-lhe) não saberás nada bem pra que viver quando chegue-te a idade de estar a sozinhas e preguntar-to preocupado. E talvez Deus sempre esteve em aquilo dos argumentos da vida. Talvez sejamos nós quem precisemos ter muitos argumentos irrefutávels pra demonstrar a existência nossa e não a de Deus

Muitosar-gumentos, repete ele sem olhar-me. Vai dizendo muitosar-gumentos muitosar-gumentos enquanto faz um rollo com a folha e guarda-o como uma panqueca de papel na sacolinha dos lápis. Se aprendem-se coisas novas, ou se crê-se aprendê-las, um mesmo guarda-lhas pra voltar a elas em solidão. Descobriremos depois pausadamente mais dos mistérios que a emoção da novidade não permitiu-nous descobrir naquele momento do impacto. A panqueca dos argumentos será um plano que em outro dia Jeronimo vai a desenrolhar, e que estudará quando ninguém interrompa-o nem moleste-o em seu pequenha rotina humana.

A presença de meu sobrinho hoje revivió-me umas horas. Bem demais viva é estar e sentir-me assim num dia com um par de horas nunca melhor argumentadas. Agradeço-as. Agradeço-as!

Depois, cantamos com seu querido Markama o trava-lingua da canção Quitapesares. E ele foi-se. Ay! Deseio que Jeronimo tenha sempre as mãos coloridas e felizes sobre os pianos da vida. E que Deus dite-lhe muitosar-gumentos ainda que agora não saiba que são e ainda que entesoure-os como uma silhueta incompreensível na sacolinha azul.

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