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segunda-feira, 20 de abril de 2009

Carta a um pastor gay

Caro amigo Severo Augusto,

fiquei muito feliz em reencontrá-lo domingo passado no aeroporto. Assim é a vida, cheia de encontros e desencontros. Há muito tempo que venho procurando através de amigos comuns saber notícias suas, pois você havia sumido do cenário nacional.

Como prometido, estou enviando-lhe aqui o nome do cientista que revolucionou a pesquisa sobre a sexualidade: Alfred Kinsey. E como você me pediu vou agora expressar o que eu penso disso tudo.

Primeiramente, desculpe-me não ter te respondido prontamente naquela tarde, olhando em sua face, mas precisei gastar algum tempo não só orando, mas refletindo bem sobre o quadro. Tomei tempo também para ler e reler algo sobre o assunto.

Sua situação mexeu muito comigo. Depois de nosso bate papo, enquanto você voava para os Estados Unidos e eu esperava meu vôo para Alemanha fiquei lembrando-me de nossa época de escola. Certa vez você me confidenciara sua primeira(?) experiência homossexual, com um tom de arrependimento e remorso. Nem passava pela minha cabeça que você poderia estar ainda tão envolvido assim nesse tipo de crise. Agradeço-te por ter sido mais uma vez alvo de sua confiança. Alerto-te, todavia, que serei bem franco contigo, coisa que nossa boa e velha amizade não só permite, mas exige.

Sempre estranhei suas constantes investidas atacando o movimento homossexual ou a homossexualidade em si. A princípio pensava que era só um cumprimento da pauta do momento, da agenda evangelical conservadora. Afinal você se tornou um líder evangélico de destaque no Brasil. Mas depois tudo me pareceu muito exagerado.

Também aquele seu medo da solidão, que lhe forçava buscar companhias de rapazes, poderia ter sido tratado de forma mais franca e aberta e não ser sempre camuflado em nome de um suposto discipulado.

Ao contrário do que você me alegou, que foi tudo ataque do maligno para destruir seu ministério, creio que você mesmo foi quem se enveredou por caminhos que não deveria. E não digo isso em relação à homossexualidade propriamente dita, pois você mesmo sabe que não pode mudar muita coisa quanto a isso. Mas sua exposição pública tornou-se por demais obsessiva. O acúmulo de funções chaves e o uso exagerado do discurso moralista poderiam ter sido evitados. Você foi forçado a assumir uma personalidade muito diferente daquele Severo Augusto que conheci antigamente.

Não é de se admirar que você se sinta agora perseguido e que o rapaz de programa esteja lhe chantageado. Se você não estivesse em evidência tudo passaria despercebido pela sociedade. Você teria claro, ainda que lidar com o drama de consciência, mas não com esses inconvenientes de maior vulto e conseqüências mais drásticas. Lembre-se que Davi preferiu cair nas mãos de Deus do que nas de seus inimigos?

Como você me perguntou, lhe responderei: o "sair do armário" como um gay, poderia, de fato, liberá-lo do segredo que você mantém com tamanha angústia. Mas francamente falando, acho pura bobeira qualquer confissão pública de sua identidade. Isso de fato não edificaria ninguém e só atingiria seu ministério.

O seu desejo freqüente de continuar publicamente como um pastor e prossegir, secretamente, desenvolvendo um relacionamento homossexual só agravará mais ainda sua angústia e medos. Sei que é muito duro constatar que não se tem muitas opções, a não ser, por continuar vivendo com sua ferida. Afinal você mesmo sempre procurou a orientação sobre imoralidade sexual na Bíblia e em sua Denominação.

Penso que seu ministério não chegou ao fim. Ele talvez não tenha o vulto e o alcance que você ambicione agora. Entretanto você pode ainda ajudar muito as pessoas. Mas agora é o tempo no qual você precisa de ajuda! Aproveite seu relativo anonimato no exterior e busque auxílio num centro que trabalha com mulheres e homens homossexuais.

Imagino que seu desejo homossexual (reprimido) possa ser redirecionado para melhor compreensão da intimidade, da marginalidade, do amor e da posse (coisas tais que nem todos têm a precisada sensibilidade), mas nunca o direcione novamente para a condenação de seus semelhantes.

Desejo-te um bom recomeço em terras estrangeiras. Aguardo sua resposta e conte comigo.

Fraternalmente,

Roger

(Embora o nome seja fictício qualquer semelhança com fatos reais não seria mera coincidência).

Leia também: O impulso de oferecer flores

11 comentários:

Alice disse...

pois é... é a vida.



bjusssss

Anônimo disse...

Roger,

Sinceramente, achei esse seu texto perigoso. O nome utilizado identifica sem dúvida uma pessoa e você sabe de quem estamos falando.

De resto, mistura fato e ficção, sem deixar claro o que é fato e o que é ficção, permitindo que esta seja tomado como aquele. Então, insinuações assumem ares de verdade.

O seu texto me lembrou O Código da Vinci, que por misturar romance e história se perde tanto como romance como com história.

Eu preferia ver uma crítica aberta ao Severo, pois tenho minhas reservas à pessoa e ministério dele. Mas o dito como foi dito, me pareceu insinuações inconequentes.

Em Cristo,

Clóvis

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

Caríssimo Clóvis,

não vejo nenhum perigo no texto, Nem para mim nem para qualquer pessoa que venha a se identificar com meu amigo de infância. Aliás essa é consequência esperada: que alguém se identifique repense sua trajetória.

O Severo que você se refere, pelo que me consta, não é nem pastor nem gay (conheço pouco dele). Portanto, qualquer semelhança é mesmo pura coincidência à severidade do nome.

As críticas que temos ao Severo seriam relacionadas ao Blog dele, que por não gostar não acompanho (e acho que nem vc). Não conheço nada do ministério, muito menos da pessoa (a não ser aquilo que o Blog deixa transparesser, ou seja pouquíssimo) - essa é a única crítica aberta que poderia fazer. Não sei se você teria algo mais...

Esclarecido esse ponto, te agradeço, contudo, o toque.

Um abraço fraterno,

Roger

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

Alice,

você disse tudo. É a vida, nada mais nada menos.

Bjuss pra ti e para o Tatá!!

Roger

Felipe Fanuel disse...

A velha repressão. Como sempre, a velha repressão.

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

Felipe,


você foi ao cerne da questão. Esse é o objetivo do texto, nada mais.

Forte abraço!

Anônimo disse...

Roger,

É para você ver. Quando li o texto, logo associei um Severo a outro. Mas as similutes não ficam só no nome.

O "meu" Severo é um militante anti-gay e mais de uma vez ouvi que era um reprimido. Além disso, recebi um email dando conta que ele saiu do Brasil e que na ida encontrou-se com um amigo no aeroporto.

Por isso ainda continuo achando que seu texto dá margens para associação de nome e pessoa.

Em Cristo,

Clóvis

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

Amigo Clóvis,

você é inteligente e sabe que o texto dá margens para associações mesmo, porém ao mesmo tempo dá margens largas para desassociações.

Alguém poderia dizer que é critica ao Augustus (líder evangélico de renome no Brasil, agenda conservadora, pastor e o nome Augusto)... meu colega de infância (que de fato existe) poderia vir se queixar... o lider evangélico americano que sofreu chantagens do garoto de programa ou o falecido Henry Nouwen (no qual também me inspirei).

Enfim, o texto é uma coucha de retalhos, onde a identidade real do personagem torna-se por isso fictícia. Não vejo perigo nisso.

Como disse no rodapé, o nome (e pessoa) é fictício, mas semelhanças com fatos não seriam mera coinciência.

Como o Felipe bem disse, por trás do texto está um modelo onde nós todos estamos sujeitos que é a repressão. "O bem que quero não faço, mas o mal que não quero...". Daí o perigo do discurso moralista - este é o alerta! E em diferentes graus todos nós corremos esse risco.

Abraços fraternos,

Roger

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Roger passando para dividir com você minha alegria. Ontem o Christian meu esposo se batizou e deu sua profissao de fé perante a nossa igreja. Foram 15 anos de espera e o que mais gostei de ouvir ontem na Profissao de fé dele ontem foi: "Minha esposa nunca me pressionou para que eu me tornasse um cristao. Ela sempre me perguntava: Poderíamos ir hoje à igreja? E isso, 3 vezes ao ano, mas ela nunca desistiu. Sem nenhuma pressao, usou sempre alguma oportunidade para me mostrar que Jesus sempre estava bem pertinho..."
No final do culto ontem à noite, jantamos todos na igreja, cada um levou algo, uma senhora chegou e disse: Minha filha está há 2 anos casada com um rapaz que tb nao é crente e o testemunho do seu marido me deixou cheia de esperanca novamente. Vc poderia conversar com a minha filha e dizer a ela como nao cobrar dele o vir à igreja? Aleluia!!!

Esta semana estarei colocando as fotos na Saia Justa, é que estou esperando algumas fotos que nao tenho sobre o evento, pois estava ocupada, rs.

Uma boa semana e muuuuuuuuitas bencaos

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

Que boa notícia, Georgia, isso é que perseverança e fé.
Aguardemos o Post no saia Justa!

muitas bençãos pra ti também!

Sérgio Marcos disse...

Acabei de ler esse seu artigo na Ultimato e não posso deixar de cumprimentá-lo pela lucidez da abrodagem.

Abraços.