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quinta-feira, 16 de abril de 2009

A Escadaria da Graça (2)

Nos degraus propriamente ditos, as pessoas encontravam descanso, e era uma espécie de átrio dos gentios, visto que o edifício da igreja era tido como templo. Ali pisavam tanto crentes como não crentes sem a ameaça de profanar o “santo dos santos”. Não se sabe ao certo até que ponto os transeuntes desavisados identificavam o local como um igreja evangélica, mas para a garotada ali era a “esquina” onde a turma se reunia, ou “escadaria da Graça”, nome exagerado dado à escada de meia dúzia de largos degraus.

E assim corria a Idade de Ouro, quando começaram a surgir, no expediente noturno, alguns maltrapilhos sós ou mesmo acompanhados de toda família, para ali pernoitar. Na maioria das vezes, que não eram nem tantas assim, ficavam provisoriamente, por uma ou duas noites. Depois prosseguiam sua jornada fugindo da fome do Jequitinhonha ou outro recanto desprivilegiado em busca de alguma oportunidade em Belo Horizonte. O mais conhecido deles era um alcoólico (inicialmente anônimo), que por molecagem infantil foi apelidado de Biguilim. Chegou até mesmo a freqüentar a igreja e se converter (e desviar-se) várias vezes. Os retirantes, porém, apareciam e sumiam sazonalmente como os bem-te-vis que perambulavam e cantavam no alto da torre.

Bem antes dos adolescentes com seus gritos e risadas altas às altas horas da madrugada e da maré de maconha deixada por alguns dos mais ousados, os mendigos e sua falta de higiene, era sem dúvida o maior inconveniente para aquela comunidade cristã.

Logo as primeiras queixas começaram a surgir, sabe lá Deus na boca de quem. Talvez foi o zelador, ou o próprio pastor, ou mesmo um fiel apressado que chegava no domingo antes da escola dominical iniciar e encontrava alguém ainda por lá ou apenas os vestígios deste alguém.

Continua…

Veja também: A Escadaria da Graça (1)

2 comentários:

Tuco disse...

Isso não podia mesmo durar muito tempo. Afinal de contas "Mendigo atrapalha pedestre".

Vejamos o próximo capítulo.

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

Tuco,

temo que o final da história não te surpreenderá em nada...

Me lembro de um colega da universidade se queixando dos meninos de rua que lhe estragavam a noite em um bar ao vir pedir dinheiro. Incômodo esse que eu também sentia, mas me envergonhava de confessá-lo assim em público em tom de queixa.

Em nossa república em Lavras chegamos a ter um andarílio como hóspede costumeiro. Certa vez me queixei daquela camaradagem com meus companheiros de república. Não demorou muito para eles virem questionar minha postura cristã...

O link que você colocou fala tudo da raíz do incômodo.