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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Conheceria Deus o futuro? (13)

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O ônibus

Enquanto Carla apreciava a linda paisagem, Paulo tentava se concentrar no último capítulo de "Senhor dos Anéis". Juçara, que sentava logo a frente, resolvia mais uma página de Sudoku e preparava-se para começar a seguinte. Alexandre a seu lado deliciava-se com as 500 músicas gravadas no seu IPod especialmente para aquela viagem.

Roney prometia para seu filho Rodrigo que voltaria no carnaval para buscá-lo novamente.

Mais à frente, Andréa scaneava com os olhos e mente as páginas do livro de química, tentando memorizar a matéria da prova. Janete voltava feliz, mal podendo esperar o momento de contar em casa que tinha conseguido o emprego. Júlio pensava irritado na discussão que tivera com a vizinha e as mil permutações de respostas que poderia ter dado a ela ao invés de ter se retirado calado. Marquinho conversava com João Carlos sobre as estratégias a serem apresentadas ao novo cliente. Teresa pensava se tirava o Laptop ou se descansava mais um pouco.

Um pouco mais a dianteira Júnia tentava responder os infindáveis porquês de seu filho Lucas; e Lucas tentava compreender o micro universo no qual sua mamãe lhe inserira a quatro anos atrás. Já seu Geraldo respirava ainda rancor contra seu filho, que também chamava-se Lucas, e pensava em uma maneira de dar-lhe uma boa lição por ter batido seu carro, o que obrigou-lhe a fazer aquela viagem de ônibus.

No centro do ônibus, Vítor olhava para o vazio com os olhos banhados em lágrimas, pensando como contaria para sua esposa que os médicos haviam detectado um tumor no seu cérebro. Dona Maria das Graças rezava seu terço prestando atenção no trânsito e na estrada. Vanessa estava, enquanto isso, ao lado, irradiante de felicidade por ter conseguido adiantar a passagem e o encontro com o novo namorado. Mário lia a reportagem política nas páginas de uma revista, e Anildes observava simuladamente, no reflexo da janela, a fisionomia de Mário.

Pedro e Mateus discutiam futebol. Ezequiel ouvia a conversa dos dois com um pouco de dó, um pouco de raiva e muita vontade de entrar no meio mas nenhuma coragem para fazê-lo. Letícia pensava desesperada e obstinadamente na recente descoberta de traição do marido.

Daniel estava aborrecido por ter esquecido um objeto.

Ernane estava confuso por ter-se apaixonado por um amigo do cursinho.

Maria estava aliviada por passar alguns dias longe de casa.

Débora estava contente por ter voltado para seu antigo amor.

Na primeira fila, Virgílio lia a Bíblia, Ronildo pensava na hipocrisia da religião, Filipe dormia e Denise arregalava os olhos assustados para José, o motorista.

Já esse não pensando em nada, somente agia rapidamente seguindo seus reflexos, para desviar o ônibus de uma carreta que invadira a pista e viera a atingir seu veículo em cheio, lançando-o pela ribanceira abaixo.

Desde o momento do acidente até o início dos trabalhos de resgate passaram-se exatamente 80 minutos; neste mesmo tempo 4 crianças morriam dia AIDS só no Zimbábue, outras 960 morriam de fome pelo mundo e 2320 nasciam na China.

Ao dirigir lentamente pelo local da tragédia, seu Joaquim ficava impressionado com as luzes das sirenes e as caras suadas e sujas de amargura e desespero dos anti-heróis anônimos. Ficou então evidente para ele, ao contemplar aquela fileira de corpos deitados no asfalto, que sua fé lhe conduzira até o reino dos mortos.

A partir dali sabia que sua vida, à semelhança daquelas almas, havia ficado definitiva e irrevogavelmente para trás.

2 comentários:

O Tempo Passa disse...

Um pouco tétrico demais para meu gosto, mas estou a acompanhar atentamente. Até agora, Deus e o futuro permanecem na moita...

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

... mas não tão tétrico como o terremoto em Haiti.