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sábado, 17 de julho de 2010

Precisa-se: Apóstolo com três anos de experiência

Caso 1

Juquinha estava recém chegado na igreja. Havia se convertido há um ano ou algo mais em outra comunidade. Após ser contatado por Milton veio a fazer parte daquela pequena igreja da periferia de São Paulo, que passava por uma semana de seminários sobre o tema “Descubra seu Dom Espiritual”.

Milton havia fundado e pastoreado uma grande igreja no Rio, e por razões que não cabem aqui, mudara-se para São Paulo. Era um homem calejado no meio evangelical, só ele dava o tom na SUA igreja, embora se esforçasse na humildade, não conseguia admitir outras autoridades espirituais, nem acima nem ao lado dele. Adorava fazer o papel de mentor e paizão, para aquelas pobres almas sofridas e aleijadas.

Como fechamento do seminário eram feitas entrevistas com os participantes. Uma espécie de questionário vocacional para determinar os dons de cada um – o ponto é que a igreja precisava de maior comprometimento dos membros. Faltavam voluntários no louvor, na recepção, na cantina e na faxina.

- Meu filho, perguntou Milton a Juquinha, o que Deus te falou esses dias? Nós já estudamos sua ficha, com muito jejum e oração e sabemos mais ou menos onde poderemos te encaixar. Mas queremos saber primeiro o que você quer? Para o que você se sente chamado?

- Pastor, não se ofenda e permita-me chamar-te também de “meu filho”, estou convicto que tenho o dom apostólico. Não tenho dúvidas de que Jesus me chamou para ser um Apóstolo e seria bom que o senhor se acostume com isso. Agora na qualidade de Apóstolo, quero aplicar-lhe o teste vocacional, para que algumas coisas sejam colocadas em ordem…

Caso 2

Fico a imaginar a cena:

Os discípulos reunidos em um salão qualquer numa clausura de 10 dias.

André pega o violão, Maria Madalena abre um hinário recém criado – Queridos irmãos e irmãs, fiquemos de pé e façamos um período de louvor! E todos se põe a cantar. “Ressuscito-o-ou, ressuscito-o-ou, ressuscito-o-ou, aleluiaaaa, venceu a morte…”

Após o período de louvor Tiago faz uma leitura do Profeta Jonas seguida de uma pregação linda, exaustiva e cansativa interpretando os três dias no ventre do peixe como sendo os três dias de sepulcro. Logo depois convoca o grupo para mais um período de oração.

Enquanto isso Pedro num canto mais retirado do cenáculo examinava eufórico os rolos do saltério, com um brilho nos olhos, de como quem acabava de descobrir uma fórmula mágica.

Pedro não entendia bem porque coube a Tiago fazer a pregação e dirigir a reunião, afinal Jesus tinha deixado claro (pelo menos só para ele) que o cajado papal estava agora em SUAS mãos. “Se pelo menos Jesus tivesse dito aquilo na frente de todos… Mas seria muita pretensão querer preencher a vaga deixada por Jesus, o que aparentemente Tiago ambicionava fazer, mas preencher a vaga deixada por Judas não seria um pecado tão mortal assim…”

Mas agora, nos Salmos, ele acabara de achar a resposta para o que não sabia procurar.

“Naqueles dias Pedro levantou-se entre os irmãos, um grupo de cerca de cento e vinte pessoas e disse:”

Nas palavras de Paulo Brabo:

Pedro levanta-se e propõe (citando versos vagamente contraditórios do livro de Salmos) que o grupo reunido escolha um dos discípulos para unir-se aos onze apóstolos restantes, de modo a completar "o grupo dos doze".

A citação vaga de versos contraditórios à realidade (que ficou conhecida no meio como textos fora de contextos, que servem de pretextos) é uma prática danosa difícil de ser arrancada pela raiz. Nos lábios de Pedro, deixa-nos poucas escolhas: ou validamos a hermenêutica (das Escrituras), e desvalidamos Pedro; ou validamos Pedro, e desvalidamos a hermenêutica (das Escrituras); ou  descreditamos ambos.

A própria hermenêutica nos aconselhará, tanto antes como depois do episódio supra citado, a termos um pé atrás com os ímpetos de Simão filho de Jonas. Coisa essa que talvez passasse pelas cabeças daquele primeiro humilde grupo, mas a força dos argumentos neutralizava.

Como a paciência era muita, mas o tempo curto, o recrutamento foi feito, a seleção eliminou a maioria, sobraram dois. Por meio de um santo sorteio Matias ganha a vaga.

O fato de nem Matias nem Barsabás serem novamente citados na história depõe a favor de Matias, tendo em vista que 80% dos apóstolos são esquecidos nas páginas de Atos (de quais Apóstolos?).

Mas o episódio deixa-nos algumas lições práticas sobre a igreja:

  1. As escrituras são falíveis e ameaçadoras até mesmo nas mãos do primeiro papa;
  2. Os “papas” são falíveis e ameaçadores até mesmo (ou mais ainda) com as escrituras nas mãos;
  3. A igreja (institucional) primitiva era primitiva e ainda hoje continua primitiva, no pior sentido dessa palavra;
  4. A sorte, ou o acaso, já se infiltraria bem prematuramente nas quatro paredes eclesiástica, privilegiando uns em detrimento de outros

Sabedores de que a pressa não vem do Diabo, mas que ela É o Diabo, resta-nos então fazer o que Jesus mandara, e esperar, para ver o que o Espírito fará nos próximos capítulos.

(Continua…)

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