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segunda-feira, 16 de maio de 2011

Como chutar um missionário para escanteio

Lá estávamos reunidos para decidirmos “o caso do pastor Mauro*”. Era uma reunião de emergência da liderança do grupo ministerial.

Então minhas suspeitas tinham se confirmado…Me lembrava bem do culto de despedida do Mauro. Não havia engolido aquele teatro de jeito nenhum. Ainda mais que ao final, quando fui me despedir de Mauro, ele me olhou bem nos olhos com um sorriso sem graça e balbuciou: Engraçado, não é? Não se mexe em time que está ganhando…

Durante a pregação ele havia, num tom para lá de triste, explicado como que o grupo de pastores, sob jejum e oração, havia chegado à decisão de seu retorno. Ele mesmo tinha sentido sua dívida moral com a igreja que o enviara, e agora precisava de ajuda. Era “muitíssimo importante” que alguém retornasse e acudisse a igreja (a saber o pastor titular) que havia caído em erro doutrinário. Pois é, Mauro sentiu que esse alguém era ele. E o enviariam de volta.

Estranho que uma peça, que inicialmente era tão essencial, tão rapidamente se tornara supérflua. Quando Mauro chegou era um homem de Deus. Tinha um projeto para um país asiático, e foi se desenvolvendo ali naquela comunidade. Aos poucos os holofotes se voltaram para ele. Não faltou quem dissesse que isso causaria ciúmes e inveja.

A verdade é que Mauro nunca teve o carisma do pastor sénior, mas suas pregações causavam impacto. Suas ministrações atingiam o coração das pessoas. Ele mostrava simpatia para com os feridos. Não que fizesse isso intencionalmente afim de roubar a cena. Era o jeito dele, que por sinal era bem simples.

Chegou a fazer uma primeira viagem à Asia. E estava encaminhando seus planos, quando foi chutado para fora de campo. Por que? Como pode ser isso?

Ali ouvindo sua pregação, me despedindo dele, fui embora para casa indignado e furioso. Como pode uma encenação dessas? E tudo com um pano de fundo espiritual… Se o Mauro não voltar até abril, para mim, isso é tudo uma farsa. (A despedida tinha sido algo em torno de outubro ou novembro).

Não demorou muito e aquele que tinha sido enviado para ajudar é quem agora “estava precisando de ajuda”. Agora de peça supérflua era promovido oficialmente a empecilho. E a reunião tinha sido convocada para estudarmos o seu caso.

- Foi meu mentor, que tem olhos de águias, quem me alertou, “o que este homem faz aqui?” Expliquei que ele liderava uma célula, que pregava vez ou outra e tinha seu projeto para a Ásia. “Olha, meu querido, que esse homem se encosta aqui e vocês não se livram mais dele”.

Essas foram as palavras com que o pastor sénior abriu a reunião.

A frigideira estava no fogo, o óleo estava quente, e o homem iria ser fritado. Esses filhas da mãe nunca mais vão trazer o Mauro de volta, pensei.

Um outro pastor, parente do sénior, atacou logo em seguida.

- Ele nos falou que não concorda em tudo com o senhor… eu perguntei a ele em que não concordava, e ele se esquivou dizendo que eram coisas não essenciais. Veja só! [E eu pensando que mal haveria nisso…]

- O projeto dele para Ásia nunca foi muito claro. Primeiro tinha o chamado para o país, depois queria formar missionários, uma escola missionária. Disse um outro missionário. [Tive que por um momento concordar, mas tudo parecia suspeito, por que chegar a essa conclusão assim tão tardiamente e justamente naquela hora?]

Fiquei ouvindo tudo aquilo calado. Talvez meu erro… Mas o que adiantaria interromper o circo? Já me sentia fora daquilo tudo. Queria era achar um pretexto para me debandar, para sair de vez daquela bolha sufocante. Aliás, tudo indicava que em breve eu seria a bola da vez. Para quê então catalisar as coisas? Fiquei calado, boquiaberto.

Mais tarde pude com certa distância e um pouco mais de maturidade entender a fraqueza daqueles pretextos: O plano missionário não seria uma construção conjunta? Quantos de nós não chegara ali com um projeto inacabado que com o tempo foi se moldando e se consolidando? Qual de nós que não havia misturado os sonhos de Deus com os seus próprios e vice-versa?

- Agora o pastor titular (aquele que tinha caído em erro doutrinário) tinha ligado e precisávamos dar uma resposta. O homem (o Mauro) tá lá dando problemas… Não sabem o que fazer com ele.

- O melhor é deixar ele inativo. Aplicarmos uma castigo.

E assim puseram uma pedra no caso.

Depois disso não demorou muito saí também daquela comunidade. Ao sair fiz questão de levantar a poeira sobre o caso. O que provavelmente acelerou meu desligamento.

Depois também encontrei-me uma série de vezes com meu amigo Mauro, que me recebeu sempre bem e me contava como sua caminhada ia evoluindo.

De fato ele voltou mais uma vez àquela comunidade e foi enviado à Ásia para uma curta visita. Acho que foi uma maneira de tentarem repararem o erro. Mas o estrago já havia sido feito.

Até onde eu sei o jogo deles ainda continua, afinal ele é o mesmo que acontece aí mesmo, na igreja mais próxima de sua casa.

O problema é que bolas jogadas para escanteio sempre voltam ao jogo e podem causar mais perigo de gol ainda.

[*nome mudado]

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2 comentários:

Andrea disse...

Bola que vai para escanteio, pode gerar um gol olímpico... :]

Tuco disse...

Quando meu 'mauro' foi pra frigideira, resolvi fazer umas perguntas, questionar umas afirmações... e fui eu pra frigideira junto :P