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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Bem aventurados ou bem sucedidos?

-Roger, pena que as coisas não saíram como você quis… Alguém me falou em uma das minhas últimas idas ao Brasil. Fiquei indignado! Não expliquei meu fracasso. Não argumentei. De certa forma aquela amiga tinha razão e por isso meu embaraço. Mas eu não me sentia um fracassado. Na pior das hipóteses considerava a minha derrota a minha maior vitória, e de certa forma esse havia sido o plano. Mas será mesmo que havia sido tudo planejado assim?

Eu deixara o Brasil em 1998. Já estava quase uma década na Europa. Nesse tempo tinha acrescido a meu currículo os cargos de distribuidor de panfletos nas ruas de Londres, faxineiro em Viena, carregador de caminhão e ajudante de pintor na Holanda, lavador de panelas, empacotador de arroz, faxineiro em cinemas e manicômio e finalmente porteiro noturno em um Hotel próximo da estação Vitória. E assim me casei, e com o salário da Tanja, minha esposa, pagávamos as nossas contas. Nos mudamos para a Alemanha.

Aqui a coisa continuou profissionalmente desse jeito: fazedor de sanduíches, garçom no café da manhã de um hotel e finalmente um bico de digitador em uma associação de criadores de cachorro Boxer – foi quando pela primeira vez, após 10 anos de formado em administração de empresas, pude ver novamente um PC na minha frente como objeto de trabalho. As últimas vezes que trabalhei em um computador no Brasil tinham sido quando lecionava em um curso técnico de contabilidade e trabalhava como pesquisador júnior.

Comecei esse assunto, pois queria tocar mais uma vez no tema que tanto tenho dado voltas nesse Blog: Planos divinos, o futuro, a soberania divina, o sinergismo de Deus e seus humanos.

Na verdade a idéia era refazer as perguntas que fiz e não foram publicadas no Blog Púlpito Cristão. O meu amigo Beto, que postou um texto sobre Teísmo Aberto (do Caio Fábio), foi quem pediu para eu conferir a babaquice (desculpem não achei outra palavra) do autor do Púlpito Cristão.

A Teologia Relacional e o Teísmo Aberto (dos quais conheço muito pouco ou nada) foram quem me abriram a perspectiva, até então fechada, de que Deus não conheceria o futuro. NÃO HAVIA UM PLANO!

E se ele todavia tivesse um, o que supostamente escapuliu aos planos de Deus? (Aliás esse era um outro objetivo deste texto agora, tentar articular algo sobre administração, resultados e sucesso em resposta ao Neto).

No fundo, todos esses são temas muito difíceis; e dificilmente conseguiríamos generalizar para encontrarmos princípios universais. A verdade se encontrará na particularidade de cada caso, de cada pessoa.

Ainda que abominemos a Teologia da Prosperidade e lei do toma-lá-da-cá - e a abominamos - é difícil negar que Deus, de alguma forma é galardoador daqueles que o buscam, e que esse galardão pode vir (e vem) muitas vezes de forma material e palpável, assim como de forma abstrata e espiritual. E esse é justamente o ponto, quem pode discernir se determinada conquista ou derrota, perda ou ganho, seja no plano material ou espiritual foi um benefício ou um malefício, uma bênção ou uma maldição?

Existem casos, porém, e não são raros, nos quais o mal é óbvio e evidente. Exemplo bíblico? Jó!

Quando encaramos o mal de frente torna-se muito difícil enxergarmos a Deus em qualquer lugar desse universo. Por isso há uma difícil questão teológica e filosófica: como pode haver um Deus bom e soberano se existe o mal? Para essa pergunta surgem duas respostas:

  1. A primeira, da qual me libertei, dirá tudo é plano de Deus. Ele é soberano. Nós só enxergamos o lado avesso do tapete, de um sábio tapeceiro. Não podemos entender quando um mal nos aflige, e devemos confiar que Deus tem um plano maior. Se José foi quase morto pelos próprios irmãos e vendido como escravo para o Egito é porque Deus queria proteger a família de Jacó da fome que haveria de abater a terra. O problema dessa idéia é que se ela confessa que Deus está sob o controle de tudo, e pode transformar o mal em bem, ela nega que Deus seja onipotente ou que seja benigno, pois Ele não pode (ou não quer) simplesmente valer-se sempre do bem para atingir o bem. De vez em quando, por alguma razão oculta, Deus é tentado a fazer o mal, e o faz, para atingir seus objetivos benignos.
  2. A segunda que me parece mais plausível, é que Deus permanece benigno, Ele jamais se valeu ou valerá do mal. O mal existe por uma questão lógica de liberdade. O mal acontece não porque Deus planejou. Deus é amor, e ainda que haja o mal Ele permanecerá lado a lado do ser humano, o amando. Isso também não significará que Deus deixou de ser soberano, ou onipotente. Não, mas Deus mesmo, se contém, se refreia, para que o homem tenha espaço de ele mesmo, agir, seja para o bem ou para o mal, ou seja ele dá ao homem o que eu chamo simplesmente de “possibilidade de escolha” (afinal só é escolha se for livre) e que comumente é entendido por livre arbítrio. Então alguém poderia dizer: Ah!… então Deus criou o mal para que haja liberdade, um mal para que surja um bem?! – Não! – já respondo – O contrário, ele criou um bem, a liberdade, que implica, necessariamente na possibilidade dos homens (ou anjos) optarem pelo mal.

Na verdade, qualquer pessoa com um pingo de razão chegará a conclusão óbvia de que esta temática esbarra em nossa capacidade de entendimento, e que há um mistério insolúvel por trás disso tudo. O qual poderá, em parte, ser desfeito somente no plano pessoal, ou não.

  • Será que estes defensores da interpretação Bíblica correta não percebem esse limite da razão?
  • Será que eles não percebem que autores chamados de liberais, como Schleiermacher, vieram acrescentar ao pensamento teológico essa virtude de declarar, não “A morte da razão”, mas o seus limites míopes?
  • Será que ao defenderem a interpretação mais fiel das Escrituras, eles estão cientes que Deus não credenciou ninguém, além do Espírito Santo, como o interpretador irrepreensível? E que toda leitura da Bíblia é uma interpretação, e não passará de uma mera interpretação?

Assim dificilmente extrairemos da Bíblia os reais indicadores do sucesso, além daqueles que Jesus mesmo apontou nas “bem aventuranças”. E ali você, dificilmente conseguirá separar o material do espiritual, o terreno do celestial. E pior ainda, não conseguiremos distinguir onde, exatamente, uma bem aventurança aponta um resultado positivo a ser acrescentado ou um um negativo a ser diminuído. Como Paul Tournier certa vez expôs, tudo será um ciclo de receber e dar, dar e receber. E as duas coisas são necessárias e boas quando feitas no momento certo debaixo das motivações certas. Só para dar um exemplo: o misericordioso, só é bem aventurado, quando exerce sua misericórdia de forma íntegra. Não é virtude nenhuma passar a mão na cabeça de todo e qualquer bandido, em nome da misericórdia. Da mesma forma, alcançar misericórdia só será bênção, quando acompanhada do devido arrependimento, caso contrário será mero pretexto para a causa de maiores males pessoais e alheios.

Voltando a minha história, sei que não foi plano de Deus, nem o meu próprio que eu fizesse dívidas em um país estrangeiro, que vivesse tanto tempo longe de minha família e amigos que ficaram no Brasil, que quase jogasse no lixo um diploma universitário que conquistei duramente, que vivesse privações. Minha sorte poderia ter sido outra, mas não foi (pelo menos não naquela época). Por outro lado, tive outros ganhos, e sou grato a Deus por eles. De certa forma, muitos dos ganhos que tive, foram planejados e até mesmo frutos conscientes da trilha amarga que tive que passar. Mas tive também perdas, jamais planejadas, que jamais se compensarão. Os ganhos porém me consolaram e consolam muito por elas.

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