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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Como a inerrância aniquilou com o fundamentalismo (meu)

Sim, já fui um fundamentalista.

De certa forma continuo sendo. Me envergonho.

Me envergonho de já ter sido fundamentalista de outra forma, a pior delas.

Sofro por não conseguir me livrar tão rapidamente de certos conceitos que me impregnaram a alma, e hoje já não fazem mais sentido nenhum.

Lembro-me que, não há muito tempo atrás, advogava que para os evangélicos se fazerem relevantes na Europa, teriam que assumir uma posição mais radical contra a secularização… hoje penso o contrário.

Vejamos alguns pontos concretos do que gostaria de exorcizar: Vamos esclarecer as coisas!

(Sim pequei novamente. Já havia prometido pra mim mesmo para Deus e o mundo não mais voltar no Blog Tempora e Mores… mas recaí, voltei.) E por coincidência ou não, lá tinha a coisa prontinha por onde eu queria meditar hoje. Então vejamos:

Os tempos ficarão difíceis, não para a Igreja Evangélica, mas para aqueles evangélicos que:

  1. insistirem que a Bíblia é inerrante; 
  2. acreditarem que foi Deus que criou o mundo e não a evolução; 
  3. afirmarem que o casamento é entre um homem e uma mulher; 
  4. declararem que só Jesus Cristo salva e que o Cristianismo é a única religião verdadeira; 
  5. acreditarem na necessidade da Igreja; 
  6. se recusarem a negar qualquer das posições acima.

O que Augustus Nicodemus Lopes está falando acima são os pontos do novo fundamentalismo que está valendo, hoje, no Brasil. Se estes pontos são úteis, válidos ou não é outra história. Mas a verdade é que, na posição dele, numa postagem despretensiosa assim, enumerar 5 pontos – visto que o sexto é um reforço aos anteriores – revela muito do que está em jogo hoje na cristandade ortodoxa evangelical.

Antigamente, ou originalmente, haveria um ponto relacionado à ressurreição de Cristo, outro sobre a concepção virginal de Maria. Mas isso perdeu sua relevância no debate público, acadêmico ou seja lá o palco onde a fé é discutida.

Mas como eu ia dizendo, não pouco tempo atrás assinaria em baixo e lutaria em prol. Mas mudei radical e miseravelmente para o lado oposto.

Graças ao primeiro ponto, à inerrância Bíblica, todos os demais pontos pararam de fazer sentido algum para mim, para minha experiência religiosa, espiritual, cristã ou seja lá como você queira entender-me.

Não que eu não acredite na inerrância bíblica, muito antes pelo contrário.

É por crer que a bíblia não erra, que eu nego a necessidade da igreja. Hoje não sou membro, graças a Deus de igreja nenhuma. E nem se precisa ser um grande estudioso bíblico para perceber que do velho ao novo testamento, em lugar algum, a igreja – principalmente nos moldes que a experimentamos hoje – seja necessária.

(Se acredito em alguma necessidade da igreja, é na necessidade de mudança, de arrependimento, de humildade, etc, etc, etc. Sim, pensando bem a necessidade da igreja é enorme!)

É por crer que a bíblia não erra, que eu nego que só Jesus Cristo salva e que o Cristianismo é a única religião verdadeira; (escrevo isso com temor e dor no coração, pois já advoguei isso com todas as minhas forças a ponto de ser chato com meus parentes e amigos). Mas não creio mais categoricamente nisso.

Sei que a obra salvadora se resume na pessoa de Cristo. Sei que Ele é o único salvador. Mas abomino a idéia, e tenho razões bíblicas de sobra para isso, em pensar que Deus mandaria para o inferno bilhões (veja bem BILHÕES) de almas, digamos de indianos e chineses, que professaram outra fé. (Até agora só pude ler Brian Mc Laren, que teve paciência para traduzir detalhadamente, o que acreditamos mais ou menos, sobre esse assunto).

Reafirmo: é por acreditar que Cristo Salva, que sou forçado a ver, e isto está explícito, por exemplo em sua maravilhosa parábola do bom samaritano, que não há uma única religião verdadeira! Também ao contemplar toda a sua obra redentora, descrita na Bíblia, e a Bíblia não erra, sou levado a crer que a salvação dispensa um encontro clássico com Jesus, nos moldes teatral e hipócrita que, nós, cristãos modernos, divulgamos pelos quatro cantos da terra.

A questão homossexual e da evolução, é de dar nojo, não em si mesma, mas como elas são tratadas pelo evangelicalismo – com certeza são pontos lá da lista do Brabo que lhe embrulham o estômago. Não tenho tempo nem paciência para tecer detalhes sobre o assunto, de tão óbvio que ele nos parece…

Finalmente, é por crer pia e firmemente que a Bíblia não erra é que eu, sou constrangedora e heroicamente forçado a admitir que, ela mesmo, também erra.

Contradição minha? Não. Paradoxo. Então a Bíblia tem, diria você, também lá seus paradoxos, e nenhuma contradição. Não! Todos nós estamos cansados de saber que a Bíblia contém seus errinhos. Foi Karl Barth quem disse: “A Bíblia contém erros, mas a nós nos cumpre crer nela assim mesmo”.

O problema fundamental – não necessariamente o maior ou pior deles - do fundamentalismo é não acreditarem existir uma faixa cinza entre as áreas pretas e brancas da vida ou da fé. Se eles tivessem essa sensibilidade, o mundo seria mais colorido.

Tenho me esforçado para, pelo menos, mudar a minha visão.

3 comentários:

Eduardo Medeiros disse...

muito bom roger!

também já fui um dos tais fundamentalistas. e hoje vejo como meu fundamentalismo era cego...

gostei muito do texto, posso publicar no meu blog de teologia?(caminhosdateologia.blogspot.com)

abraços

Unknown disse...

CONCORDO COM VOCE ROGER.

O Tempo Passa disse...

Lembra "Flicts", aquele livrinho infantil maravilhoso do Ziraldo (1969) sobre a cor "flicts", que se achava discriminada por não ver nada flicts no mundo, mas que descobriu, quando os astronautas viajaram, que a Lua é flicts???
Pois então... a fé é flicts!!!!