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terça-feira, 25 de outubro de 2011

O boneco de ventríloquo

Quando o assunto é a interpretação de textos, a honestidade proíbe a certeza.

Kevin Vanhoozer.

Acreditar em absolutos de “particulares básicos”? A certeza cartesiana, um conhecimento absoluto fundamentado no sujeito do conhecimento, não é possível nem cristã. O cristão é um “particular básico” – um conceito primitivo que não pode ser explicado por algo mais básico. Prefiro perguntar de onde vem essa posição elevada. Prefiro rejeitar todas as formas de posições privilegiadas acima do fluxo.

John Caputo.

Pois a letra mata, mas o Espírito vivifica (2 Co 3.6).

Aquilo que constitui um texto é algo escorregadio de se definir

Geoffrey Hartaman.

Um critério apenas funciona em determinada prática social, porque um grupo de pessoas precisa “que algo seja feito”. O leitor desse critério, não é só um consumidor, mas também um produtor de significado. Gostemos disso ou não, o que encontramos em textos bíblicos muitas vezes é influenciado por quem somos e onde estamos. Isso pode não ser totalmente óbvio, mas, tendemos a acreditar que a maneira pela qual vemos as coisas reflete verdadeiramente a maneira como as coisas são. Ou seja, não só os textos bíblicos necessitam de desmitificação, mas também nossas maneiras de lê-los.

É certo que a Bíblia possui poder limitado. Ela precisa esperar pacientemente nas prateleiras até que um leitor a pegue, abra e comece a ler. Querendo ou não, ela se encontra à mercê dos caprichos do leitor – Interpretação boa ou má. Um texto bíblico pode ser memorizado ou decorado, ou pode ser usado para decorar o fundo de uma gaiola. De qualquer forma, o texto não pode retrucar, protestar ou se defender. Os leitores parecem ter sempre a última palavra. Eles podem ignorar as Escrituras, pular páginas, acrescentar coisas e, enfadados, podem descontextualizar e interromper tudo. Os textos bíblicos podem parecer inteligentes – Já dizia Sócrates sobre textos -, mas, quando lhe fazemos uma pergunta, eles ou guardam um silêncio solene, ou “dizem sempre a mesma coisa”. O versículo bíblico por exemplo, é desafortunado e desamparado, inerte e mudo, até ser tomado por um leitor.

A Bíblia, na era da escravidão interpretativa que, executa os “desígnios providenciais do senhor” – como um mecanismo de defesa – contra a pós-modernidade, se parece com um boneco de ventríloquo: ele serve como oportunidade para que se projete a própria voz.  Ela passa a ser percebida. Em sentido restrito, torna-se uma oportunidade para os leitores perceberem a si mesmos. Ela se torna um espelho. E sabemos que, se um asno olha para ela, não se pode esperar que um apóstolo olhe de volta. Como dizia Kierkegaard:

E as interpretações, então: 30.000 diferentes!

Acreditar ou não no cânone literário, então, pode ser um reflexo da política ( e da teologia) na qual a pessoa se insere. Acreditar no blefe elaborado da filosofia ocidental, para manter uma “verdade”, é imputar um significado a uma epistemologia que falta com o respeito pela realidade do passado que caracteriza a história revisionista. Dar confiança absoluta na desculpa maravilhosa da hermenêutica, para condenar aqueles de quem se discorda – considerando-os ou tolos ou heréticos – , é não entender que a estabilidade não é uma imutabilidade.

Para se ter uma Sola Scriptura, muitas condições precisam ser atendidas. Às vezes é necessário reafirmar “banalidades”, tais como “ o mundo é mais do que a consciência que dele tenho”. Outras vezes é preciso compreender que, se preciso de uma guinada hermenêutica,  de projeções filosóficas ou de uma panacéia interpretativa para voltar à doutrina cristã,  Sola Scriptura já virou Sola Prateleira há muito tempo!

Nós cristãos, temos o direito e a responsabilidade de começar nossa reflexão sobre Deus, sobre a Sola Scriptura, sobre o mundo e sobre nós mesmos, nos apoiando no amor. Cuidadosamente, podemos negociar nosso rumo entre o delírio do arbitrário e o desespero do abismo, através da graça de Deus, e não de ideologias opressivas inscritas em nossas interpretações . Em nome da diferença multicultural, também,  questionar se nosso pensamento oferece alguma coisa mais do que a pretensa objetividade à um mundo carente. Por amor ao significado, buscar nas santas literaturas, metáforas e outras nebulosas figuras de linguagem dos escuros céus retóricos, possibilidades de desfazer os ídolos do mercado, das tribos e das cavernas. E finalmente, pararmos de nos preocupar como interpretar textos e apenas utilizá-los.

Assim, a Bíblia deixa de ser um banquete móvel perdido no labirinto da linguagem, ou um conceito que se parece com chaves mágicas que destrancam o céu, e passa ser a palavra de Deus.

Nelson Costa Jr.

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