Uma vez passada a limpo a questão filosófica pensemos pelo lado teológico.
Para abordarmos a questão pelo lado da teologia pensei em citar algumas das principais passagens bíblicas onde Deus precisou lançar mão de um outro plano para que seu objetivo maior fosse alcançado. Algumas dessas passagens que me vem de início à mente são as dos primeiros reis de Israel, Saul e Davi; ou o tempo a mais que Israel permaneceu no deserto; ou a proposta que Ele fez a Moisés de a partir dele começar uma nova nação; ou outras várias experiências conflitantes vividas até mesmo por Jesus.
Mas como teologia não se resume só em Bíblia e este texto ficaria muito extenso, resolvi então em dividi-lo. Nessa primeira parte então, da análise teológica, tentarei fazer uma reflexão mais prática do assunto.
O lado teológico prático
Deus já foi comparado e chamado de rei, pastor, escudo, guerreiro, arquiteto, oleiro e outras demais figuras. Hoje, se fizéssemos um enquete de quem é Deus para a maioria dos evangélicos, eles provavelmente diriam: Deus é um homem de negócios. Talvez ninguém diga isso de forma consciente e aberta, mas se pudéssemos extrair o que as pessoas realmente pensam e acreditam, sem dúvida essa seria a resposta que paira no subconsciente das massas: Deus é um empresário!
O Deus dos negócios é um deus que sempre lucra e nunca toma prejuízo. [Ele nunca fecha no vermelho]. Mais do que colher onde não semeou, esse deus, nunca permite que o joio cresça em seu campo e se porventura crescer ele o arranca de imediato.
Como alguém já disse, as pessoas tendem a tornar-se semelhantes ao deus que elas adoram. Não é então por acaso que hoje impera uma teologia do triunfalismo.
O deus empresarial triunfalista tem um planejamento estratégico perfeito. Assim, semelhantemente, seus adoradores estão sempre na crista da onda, pois estão sempre dentro do plano do seu deus, eles desconhecem frustração, fracasso e derrota. Eles nunca precisam de um "plano B"! Qualquer revés é sempre seguido de uma explicação, justificação, ou sublimação, lógica para demonstrar que tudo não passou do "plano" de "deus"… Isso, quando não varrem por completo a mazela para debaixo do tapete da alma.
Por isso, normalmente, este tipo de pessoa só se relaciona com espíritos dependentes, sobre os quais exerce uma função paternalista ou de mentor. Dificilmente elas se colocam na posição de carência, pois sua espiritualidade a força a ser "um herói (heroína) da fé". As igrejas estão abarrotadas de pessoas assim: por um lado os paizões, por outro os dependentes, numa infância eterna.
Fora do ambiente eclesiástico há as pessoas que vivem num mundo real, cheio de contingências e atropelos, essas evitam os triunfalistas, pois de longe percebem que não há sinceridade, em toda aquela lógica perfeita do plano de Deus. Não, elas preferem se relacionar com gente de verdade.
Nenhuma frase expressa melhor o espírito desta teologia do que a impressa por Bill Brigth:
"Deus te ama e tem um plano maravilhoso para sua vida."
A piedade deste tipo de cristão é problemática. Não só por causa das "infindáveis petições típicas da oração triunfalista" como bem expressou (Ricardo Gouvea) mas principalmente porque a oração dirigida a um Deus empresário, é feita a um Deus patrão, e não a um Deus que é servo, amigo, pai, mãe, filho, amor.
Em primeira vista, pode até parecer que as "infindáveis petições", diminuem Deus, pois Deus é colocado no lugar de servo e o fiel no lugar de senhor, mas esse é um jogo paradoxal. Lembre-se que o próprio Cristo ensinou que o maior é o servo de todos, o que se faz menor.
A coisa se resume então, não em quem manda em quem, ou não em quem serve quem, mas está numa atitude humilde versos uma atitude orgulhosa. Ela pode achar que Deus está servindo-lhe ou até mesmo que ela está a serviço de Deus, isso não importa tanto. O cerne da questão está em que o "deus planejador", com propósitos, é um deus manipulador, que usa seus empregados só para para atingir seus propósitos. Como não poderia ser diferente, o jogo se inverte e o empregado quer, então, usar seu Deus patrão para atingir o seus próprios alvos (de poder, influência, etc.) transvestidos (claro) de "planos de Deus".
A pergunta paulina ecoa: quem afinal de contas sabe o plano de Deus? Quem compreendeu o seu intento?
Não me entenda mal: é óbvio que Deus tem planos, que Ele revela seus planos aos homens. Não obstante o relacionar homem-Deus vai bem além de planos, alvos e resultados. Um Deus relacional se interessa muito mais pela viagem, do que pelo destino. Interessante que Jesus se apresentou como "o caminho" e não como "o destino". Mas não podemos confundir caminho com plano! O plano é só uma pré-representação hipotética, teórica, do caminho. O caminho é o desenvolvimento real e concreto do plano, com todos os imprevistos, contratempos que forçam revisões no plano original. Daí a necessidade muitas vezes de um "plano B".
No mínimo, o "plano B" de Deus revela graça frente à nossa incapacidade de permanecermos no plano A. No máximo, ele mostra que Deus está aberto e disposto a colocar simples mortais como eu e você, com nossas fraquezas, bem à frente de seus divinos e imutáveis planos.
3 comentários:
Roger
Se você pesquisar "Plano B" na Gruta, deverá aparecer alguma coisa. Mas escrevi algo simples, em termos estratégicos. Você pensou mais e escreveu de forma abrangente. Muito bom. Em minha experiência, mesmo que contrarie a norma culta, acabamos por encontrar as soluções quando, em meio ao problema, descemos até a sala de estar para tocar piano. Mas concordo com você, pessoal (eu inclusive) fica tocando trombeta em volta do muro, sem qualquer plano caso os muros caiam. Negócio é ser reconhecido entre os trombeteiros. Um bando de palmeirenses.
Roger, concordo em gênero, número e "degrau" quando dizes - muito bem dito - que esse "desu empresário" é o padrão pra muita gente hoje. E isso é uma tragédia.
Manipulações correm soltas.
Por outro lado - e vc sabia que tinha um "mas", não sabia? - "caminho" não é o "desenvolvimento" do plano. Houve um tempo que a frase - "para quem não sabe onde vai, nenhum vento lhe é favorável" - era prova da necessidade de um plano. Mas, um dia, saí a velejar com um amigo. Sem destino, só aproveitando o vento e controlando o mar. Foi o melhor passeio que já fiz!!!
Os "divinos e imutáveis planos" de Deus, paradoxalmente se alinham com velejar conforme o vento.
Isto é, a onisciência dEle não O impede de nos "colocar, simples mortais, à frente".
Afinal, Ele é servo e Senhor!!! Tem coisa mais paradoxal que isso???
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