Páginas

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

ELE, o Espírito Santo

el_greco_006“No mundo todo havia apenas uma língua, um só modo de falar.” Gen 11:1

A presença de Jesus em solos galileus arrastou consigo uma espantosa esperança. Esperança essa que seria juntamente com Ele de forma sádica e misteriosa pregada na cruz, morta e sepultada. O excesso de doçura das ilusões foi desfeito, os cacos das ambições juntados um a um e cuidadosamente jogados fora no lixão da realidade que tudo decompõe. Restou somente o gigantesco buraco de uma ressaca existencial; fruto do vazio criado, muito menos pelo fracasso dos sonhos ou ambições, mas muito mais pela saudade daquele abraço, sorriso, de suas palavras e do seu olhar, do seu ouvir.

Quando a partir do domingo de Páscoa, Ele começou a aparecer aqui e ali, parecia tarde demais para recuperar toda a escória ideológica das falsas expectativas criadas e alimentadas ao longo de três anos, e sepultadas em três dias. Mas o ardor do coração revelaria que a essência de tudo o que Ele representava repousava fora de tudo que fosse além de sua pessoalidade, humanidade, e simplicidade de sua única e mágica presença. Presença que inconfundivelmente revelava, não somente quem era o grande “Eu sou”, mas também quem “eu sou”. Reconciliando e reunindo um com o outro com os laços inquebráveis do amor.

Por ocasião de sua ascensão, uma nova e abrupta despedida levaria aquela pequena comunidade outra vez a uma ressaca que Pedro tenta institucionalmente remediar. Isso deixaria transparecer que as ambições não poderiam ser totalmente desfeitas e começavam a ressurgir das cinzas.

Na ansiedade de Pedro em completar o grupo dos doze, a simples luta pelo poder, expressão de mesquinha vaidade, que não achou nunca lugar nas pegadas de Jesus começava a aparecer em Jerusalém. Dois mil anos mais tarde todo o edifício institucional da chamada igreja (seja ela qual for) estaria marcado e condenado por essa vil rachadura.

“Nosso nome será famoso e não seremos espalhados pela face da terra”, arrogavam milênios atrás os homens de Babel. O parecer de Deus confirmava sua arrogância, “Eles são um só povo e falam uma só língua, e começaram a construir isso. Em breve nada poderá impedir o que planejam fazer”.

Metaforicamente como em Babel, Deus agiu em Pentecoste. O paralelo é inevitável:

  1. Em Babel o projeto humano edificado verticalmente sobre o nome humano foi substituído pelo divino que deveria se espalhar horizontalmente; de igual forma em Pentecoste, o projeto eclesiástico que se desvirtuava pelas soluções humanas, tendendo a se centralizar na verticalidade de poucos escolhidos, foi substituído pela dinâmica horizontal divina.
  2. Tanto em Babel como em Pentecoste um grupo que se fechava por meio de uma vaidade centrípeta seria radicalmente aberto por meio de uma espiritualidade centrífuga.
  3. Embora com finalidades distintas, tanto em em Babel como em Pentecoste Deus faz com que os homens falem em diversas línguas.
  4. Enquanto em Babel Deus agia para quebrar a unidade, em Pentecoste Deus age para gerar unidade.

“Venham, desçamos e confundamos a língua que falam, para que não entendam mais uns aos outros. […] Dali o SENHOR os espalhou por toda a terra.”

A trama unificadora que se passou na trindade, onde o Filho recebe do Pai o Espírito Santo prometido e o derrama, traria a força unificadora perdida em Babel. Mais do que uma força, o Espírito Santo, é virtualmente o retorno duradouro do “Eu sou”, agora não em carne e ossos de uma só pessoa; mas encarnado em vários que formando um só corpo “de mártires” se espalhariam por Jerusalém, Judéia, Samaria e até os confins da terra.

Por isso as palavras tão contundentes de Jesus sobre o derramar do Espírito:

“O espírito sopra onde quer. Você o escuta, mas não pode dizer donde vem nem para onde vai. Assim acontece com todos os nascidos do Espírito.”

Como no Velho Testamento, Pentecoste é também no Novo a festa dos primeiros frutos. Através daqueles discípulos o Espírito Santo recomeça a agir e interagir com a raça humana. Jesus estaria em espírito novamente pisando a poeira de nosso chão através de nossos pés. O Espírito Santo é Jesus, novamente entrando em contato com os doentes, é Jesus ensinando, é Jesus abraçando, rindo e chorando conosco.

O Espírito Santo é a terceira pessoa, ele, pois raramente ocupará o lugar da primeira ou da segunda na sentença. Em detalhes: raramente o veremos falando diretamente como primeira pessoa do discurso (eu). Raramente o veremos como ouvinte ou segunda pessoa (tu). E na maioria das vezes ele se passa por um objeto, a terceira pessoa (ele), sobre quem se fala. Assim em Atos Ele, o Espírito, será o assunto.

Sobre quem é o livro? Sem dúvida Jesus continua sendo o protagonista, mas agora na pessoa do Espírito, que acabava de ser derramado sobre seus discípulos.

(Continua…)

Um comentário:

O Tempo Passa disse...

Esta série de textos é muito boa, rica, profunda e útil!!!
Brigadão, Roger!