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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

As viúvas

Qual herói bíblico jamais não teve uma viúva em seu encalço?

Noemi, uma viúva em amarga angústia, irá compor e impor a sua genética ao rei Davi. Uma viúva em Zerepta achará Elias; outra, Eliseu. Pedro não passou sem Dorcas e suas viúvas de Jope; e claro, Jesus terá a sua em Naim –  para não mencionarmos sua própria mãe, a Virgem Maria.

Não diferentemente, Estêvão, Felipe e os outros cinco seriam paridos como heróis da igreja de Jerusalém, sob a sombra de viúvas.

“Naqueles dias, crescendo o número de discípulos, os judeus de fala grega entre eles queixaram-se dos judeus de fala hebraica, porque suas viúvas estavam sendo esquecidas na distribuição diária de alimento” (At 6:1)

É notório: Aquela santa comunidade de comunistas do primeiro século, onde outrora todos tinham tudo em comum, começa evidenciar seu viés de injustiça. Como não poderia ser diferente, os injustiçados são os mais fracos, no caso, a mulher, viúva e estrangeira. E não era por falta de alerta que isso acontecia:

“Ele defende a causa do órfão e da viúva e ama o estrangeiro”

“Maldito quem negar justiça ao estrangeiro, ao órfão ou à viúva”.

A “liderança” - leia-se, os doze - que deveria ter evitado este vexame, toma a questionável providência de passar a batata quente para as mãos de outros, sob o estranho pretexto de se dedicarem somente à oração e à palavra - privilégio este que nem o próprio Senhor Jesus de Nazaré usurpou para si mesmo. [Aqui, senhoras e senhores, prestem bastante atenção, é a exata hora de nascimento duma classe clerical – os doze apóstolos - separada, distinta da de leigos, para dedicarem somente a assuntos “espirituais”].

Dura lex sed lex:

  • Os maiores servirão os menores,
  • os fortes servirão os fracos,
  • os diligentes servirão os preguiçosos,
  • os sábios servirão os tolos e
  • os ricos servirão os pobres

E é bom que seja assim!

Surge porém, na história, nosso herói e confunde as regras do jogo, fazendo a sacanagem messiânica. Nela, o salvador estará, salvando, camuflado na pele do salvado. As viúvas chegam somente para reforçar esse paradoxo.

O relato irá nos mostrar alguns versículos mais à frente que aqueles diáconos, ou simplesmente, servos, irão se dedicar, não somente às mesas, como era de se imaginar, mas também se sobrecarregarão com outros pormenores “espirituais”, ou seja, a oração e a palavra.

A igreja de Jerusalém e da Judéia veriam que suas fronteiras estavam prestes a ser rompidas, por serem por demais estreitas para a obra do Espírito. Toda aquela “estrutura institucional” montada em Jerusalém não iria mais fazer sentido. Um paradigma estará aqui prestes a ser rompido, cedendo lugar a um novo. Aquela comunidade estava ouvindo novamente o clamor de fala grega. O mesmo clamor que o Mestre ouvira há anos atrás, transmitindo-lhe a percepção da chegada de sua hora. Um mundo maior que a Palestina clamava por seu Salvador.

Assim, no centro de toda essa revolução estava o nosso protagonista, bem disfarçado nos trajes de mulheres viúvas, que, no contexto bíblico, não passavam de pessoas de invejáveis fé, caráter, carisma, sabedoria, amor... Em duas palavras: invejável coração.

(Continua...)

2 comentários:

Tuco disse...

O nascimento de uma classe... uma classe que parece o Mun-ha dos Thundercats - "de vida eterna"! :P

A esperança está nas viúvas.

O Tempo Passa disse...

As "viúvas" de hoje continuam sem pão...